Auxílio Brasil: um engodo
Está em vigor desde 9 de agosto a medida provisória editada pelo governo Bolsonaro que extinguiu o Bolsa Família e criou o Auxílio Brasil. Como tudo que vem deste governo, a proposta vem envolta em duas grandes mentiras que, como outras, de tanto serem repetidas, têm sido aceitas como verdade por grande parte da imprensa e inclusive por setores progressistas desatentos. De acordo com o governo, o Auxílio Brasil é o “novo” Bolsa Família “turbinado”.
Não é o novo e nem turbinado. Explico. Na prática, a medida provisória substituiu o Bolsa Família por um programa que é o seu oposto. Porque a proposta de Bolsonaro destrói as quatro bases que garantiram ao Bolsa Família se transformar no maior, melhor e mais eficiente programa de transferência de renda do mundo:
1) No lugar do Cadastro Único — ferramenta que permite ao estado conhecer o conjunto de necessidades da família e garantir a sua inclusão na rede de proteção social — está sendo implantado um aplicativo, que, assim como ocorreu no Auxílio Emergencial, será uma barreira aos mais excluídos e vulneráveis, sem internet, smartphone e acesso à informação.
2) O aplicativo, na prática, substitui a rede de assistência social, o SUAS, por um robô e desumaniza a relação do cidadão com o Estado. É o fim do acolhimento, da identificação das desproteções, da orientação para o acesso ao conjunto de serviços e dos direitos.
3) Elimina a parceria e a cooperação com os municípios, o que assegurou, ao longo da história do Bolsa Família, a abrangência, a escala e ao mesmo tempo a ação compatível com as diversidades no território.
4) Acaba com o desenho simples do Bolsa Família e coloca no lugar um modelo complicado, cheio de penduricalhos (são nada menos que nove tipos de “bolsa”), de forma açodada, sem pactuação com executores e sem tempo para ser implantado, ampliando a insegurança e os custos de operação do programa.
Comparar o Auxílio Brasil ao Bolsa Família não é um erro de marketing, de quem apenas pretende trocar o nome do bem sucedido programa e apagar as digitais do Lula e do PT. Na verdade, o que pretendem é esconder o central: Bolsonaro não aumentará o Bolsa Família. Reduzirá o auxílio emergencial.
Esse benefíciuo alcançava 86 milhões de beneficiários quando foi lançado em abril de 2020, caiu para 60 milhões, depois para 50 milhões, além de sair de R$ 600 — o valor de uma cesta básica — para R$ 300. Atualmente, 39 milhões de benefícios são concedidos variando de R$ 150 à R$ 375. O custo mensal atual é de R$ 11 bilhões.
Se aprovar o Auxílio Brasil, o número de beneficiários cairá de 39 para 17 milhões. A maior exclusão da história das políticas sociais num só golpe: 22 milhões de benefícios cancelados. 22 milhões de pessoas com renda zero! Se o valor médio do programa de Bolsonaro ficar em R$ 300, como anunciado, será uma economia de R$ 6 bilhões por mês. O custo mensal cairá de R$ 11 bilhões para R$ 5 bilhões. Não é só o nome e não é só a politicagem barata. É redução de gastos com o povo. É, mais uma vez, prioridade ao fiscal!
E digo “se” porque, até hoje, os valores que serão pagos pelo Auxílio Brasil são completamente desconhecidos. O que de quebra torna a medida provisória inconstitucional, por não apresentar o impacto orçamentário e nem a fonte que lhe daria cobertura.
O governo patina para tentar apresentar uma proposta que aplaque sua vertiginosa queda de popularidade, proporcione uma vitrine eleitoral e, ao mesmo tempo, permita mostrar, ao mercado, que continua priorizando controle de gastos. A saia justa é que é necessário implantar o Auxílio Brasil ainda este ano, pois não se pode criar programa novo em ano eleitoral, por vedação da lei.
Qualquer das soluções apresentadas para abrir espaço fiscal, a exemplo do aumento do IOF já anunciado e das pedaladas dos precatórios pretendidas, viabiliza apenas parcialmente o Auxílio Brasil em 2021 e 2022. O programa não é sustentável, até porque este governo já mostrou que seu compromisso com a vida das brasileiras e brasileiros só dura enquanto há interesse eleitoral.
Não cabe vacilos! Temos que denunciar o Auxílio Brasil sem receio. Não se trata de uma posição mesquinha de defender “a marca do PT”, mas sim de defender um patrimônio do País. O Bolsa Família se tornou um programa de Estado. Tem garantido renda e dignidade a milhões de brasileiros, e nos permitiu sair do Mapa da Fome, reduzir em 60% a mortalidade infantil causada por desnutrição, garantir crianças e jovens na escola, dentre centenas de outros ganhos comprovados em mais de 100 mil estudos independentes feitos ao redor do mundo. Os governos Lula e Dilma nunca deixaram de pagar o benefício um único mês. O programa é reconhecido por amplos setores no Brasil e no mundo.
Para enfrentar os novos desafios, o Bolsa Família precisa de três alterações:
1) os valores dos benefícios devem ser atualizados e ampliados para patamares compatíveis com o necessário enfrentamento à fome e à gigantesca crise social que vivemos;
2) ter a cobertura ampliada, garantindo que milhares de famílias que caíram na pobreza antes e durante a pandemia encontrem proteção de renda;
3) assegurar em lei as regras de atualização tanto do valor quanto dos critérios de ingresso para que não ocorra perda do poder de compra e acúmulo de famílias em fila de espera.
Uma proposta para dar conta destes desafios já foi apresentada ao Congresso Nacional pelo PT e a oposição há mais de um ano: é o programa Mais Bolsa Família.
A hora é de ação. Temos que parar de repetir que o Auxílio Brasil é o novo Bolsa Família turbinado e que estão mudando o nome para tirar a marca do PT. Não é apenas uma mudança de nome! Temos que denunciar que estão trocando um programa que funciona de forma eficaz há 18 anos por algo incerto, eleitoreiro, e que não tem garantia alguma de que estará de pé em 2023. Devemos agir não para defender a principal marca dos governos do PT, mas para defender o direito da população à proteção de renda.