No aniversário do Golpe de 2016, o Brasil se assusta com os novos esbirros de Bolsonaro, que insufla a malta: PMs convocam protestos contra a democracia, em atos no 7 de Setembro, financiados por ruralistas, e evangélicos engrossam o coro. Agora, presidente volta a defender uso de fuzis pela população, mas Centrão coloca panos quentes. A corda permanece esticada

 

Quando Dilma Rousseff deixou a Presidência da República em definitivo, depois que o Senado confirmou o seu impeachment — mesmo sem crime de responsabilidade — ela fez um discurso no Palácio da Alvorada. Alertou que o pior ainda estaria por vir. “O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”, advertiu.

Cinco anos depois, o país assiste a uma crescente elevação da temperatura política, com o presidente Jair Bolsonaro esticando a corda, atacando ministros do Supremo Tribunal Federal, pregando o uso de fuzis pela população e convocando a população a tomar as ruas no Dia da Independência para protestar contra a democracia e as instituições.

Na sexta-feira, 27, antes da enésima motociata em Goiânia, agora em pleno horário de expediente, o presidente voltou a pregar o uso de armas. “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse, no cercadinho do Alvorada. “Tem idiota que diz ‘ah, tem que comprar feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, declarou.

A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PR), reagiu indignada: “Pandemia, inflação, comida e luz caras, desemprego, queda na renda, fome, crise hídrica… e o que Bolsonaro faz? Diz que o povo deve comprar fuzil. Alguém duvida de que esse homem é perigoso?”

A iniciativa de Bolsonaro chega dias depois que o comandante de sete batalhões da PM no interior de São Paulo, convocar amigos para comparecer à manifestação de Sete de Setembro promovidas por bolsonaristas contra o Judiciário e Legislativo. O coronel foi afastado do comando por decisão do governador João Dória. A PM abriu um Inquérito Policial-Militar (IPM) por para apurar o comportamento do coronel Aleksander de Lacerda.

Além de policiais militares, alguns pastores evangélicos se uniram para convocar fiéis ao ato de apoio ao presidente no Sete de Setembro. Entre eles, Estevam Hernandes, idealizador da Marcha para Jesus, Samuel Câmara, à frente da Igreja Mãe, a primeira das Assembleias de Deus no Brasil, fundada há um século em Belém, e Renê Terra Nova, uma das vozes pastorais mais influentes no Norte.

O maior agitador religioso, contudo, é o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia. “Nunca vi na história do país uma mobilização de evangélicos para um evento como esse”, disse à Folha. “Nós sempre ficamos na nossa. Desta vez, há um envolvimento monstro de lideranças e de povo”.

Os atos estão sendo financiados por produtores rurais e grandes nomes do agronegócio. Antonio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, a Aprosoja — investigado pelo STF em inquérito —, é um dos líderes das manifestações no feriado. Segundo o site The Intercept, a organização dos atos em Brasília está sendo bancada pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo, uma união de mais de 100 associações e sindicatos ligados ao agronegócio que já levou 100 mil pessoas a Brasília em 15 de maio em um ato a favor do governo.

Durante a semana que passou, houve novos ensaios de reação aos esbirros autoritários do presidente. Na segunda-feira, 23, governadores se reuniram em Brasília e manifestaram preocupação com a instabilidade institucional. Temem que a crise agrave a demora na retomada do crescimento, na medida em que afugenta investidores e prejudica a atividade econômica.

“O objetivo é demonstrar a importância de o Brasil ter um ambiente de paz, de serenidade onde possamos garantir a forma de valorização da democracia, mas principalmente criar um ambiente de confiança que permita atração de investimentos, geração de empregos e renda”, disse o governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), também foi direto: “Além de ameaçar a democracia, como um modo de vida, a ameaça [de Bolsonaro] é uma tragédia para o emprego, para a renda, para os investimentos”. Ele diz que Bolsonaro não trabalha, mas consegue arruinar a retomada da economia. Na semana anterior, o presidente elevou a temperatura ao protocolar um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Morais, do STF.

Na quarta-feira, 25, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), rejeitou o pedido, arquivando-o. “Quero crer que esta decisão possa constituir um marco de pacificação e união nacional, que tanto pedimos, e é fundamental para o bem-estar da população e para a possibilidade de progresso e ordem no nosso país”, justificou.

Bolsonaro ignorou solenemente os apelos, apesar dos salamaleques de próceres do Centrão, como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Em encontro com empresários em São Paulo, Lira afirmou que “não haverá nada” no Dia da Independência. A uma plateia formada majoritariamente por empresários do setor financeiro, em São Paulo, Lira disse que o Congresso é reformista e que tem trabalhado para reduzir conflitos.

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