STF adiou mais uma vez decisão sobre o “marco temporal”, que pretende espoliar terras dos povos indígenas. Mas mobilização em defesa das demarcações se torna referência na luta contra o bolsonarismo

 

Seis mil representantes de 176 povos indígenas brasileiros deram um exemplo de mobilização ao longo da última semana. Reunidos em Brasília no Acampamento Luta pela Vida, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, com apoio de diferentes organizações, representantes dos povos originários foram ao centro do poder para garantir que o Supremo Tribunal Federal mantenha a demarcação de terras indígenas já existentes no país.

O STF acabou adiando para 1º de setembro a votação do processo que ficou conhecido como “marco temporal”. As duas sessões do tribunal foram acompanhadas por telão, do lado de fora da corte, por milhares de indígenas. Nos dias que as antecederam, índios realizaram manifestações culturais e marchas pela Esplanada dos Ministérios.

As imagens correram o mundo nas mídias tradicionais e nas redes sociais. O acampamento seria desmontado apenas no sábado, 28. Até o fechamento desta edição, os líderes indígenas discutiam os próximos passos da mobilização. Algumas delegações decidiram permanecer em Brasília.

O “marco temporal”, assim designado como chamada jornalística, pretende desfazer aproximadamente 63% das demarcações de terras indígenas existentes e destiná-las a outros usos. Pelos cálculos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), essa seria a quantidade de reservas que seriam tomadas dos povos indígenas, caso seja aprovada a tese, segundo a qual somente seriam consideradas legais as demarcações de terras já ocupadas e tituladas por indígenas no momento da promulgação da Constituição de 1988.

Cara aos ruralistas e ao governo Bolsonaro, a tese voltou ao STF por causa de ação judicial movida em 2013 por um órgão ambiental do governo de Santa Catarina, acatada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) – sim, aquele mesmo que ficou famoso durante a Lava Jato.

A ação do governo catarinense quer tomar do povo xokleng a terra indígena Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos guarani e kaingang. Porém, como é considerada de repercussão geral, a ação teria efeitos sobre o país inteiro e ainda comprometeria futuras demarcações. O pedido já havia sido derrubado pelo próprio Supremo em 2009, em ação semelhante contra a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, demarcada pelo governo Lula. A sanha predatória não desiste facilmente.

O “marco temporal” é considerado contrário ao princípio do artigo 231 da Constituição, que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

O ministro Edson Fachin, que leu o relatório na sessão de quinta-feira, 26, já havia depositado o voto em sessão anterior, realizada em junho – são cinco adiamentos em pouco mais de dois meses. Para Fachin, a tese dos ruralistas é inconstitucional e o direito indígena às terras, anterior à própria formação do Estado brasileiro.

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