A Lei de Segurança Nacional (LSN) é um esqueleto autoritário no armário da democracia constitucional brasileira. Flagrantemente incompatível com a Constituição Federal e historicamente manipulada para instrumentalizar perseguições políticas, substituí-la por uma Lei de Garantia do Estado Democrático de Direito é um avanço civilizatório que exige a preocupação central com a preservação da liberdade de expressão, do direito de resistência e dos movimentos sociais.

Imbuído deste propósito, o Núcleo de Políticas Públicas da Fundação Perseu Abramo (NAPPs) fomentou a proposta de revogação da LSN, com a consequente eliminação da doutrina da segurança nacional e da lógica bélica de combate ao inimigo, promovendo-se a proteção dos direitos fundamentais e da atuação dos movimentos sociais, da atividade jornalística, da advocacia e das demais instituições democráticas.

Se a tarefa é a superação da LSN, obviamente não bastaria produzirmos uma nova lei que mantivesse a mesma estrutura persecutória coberta por um verniz de legalidade. Ao longo das últimas décadas, foram apresentados diversos projetos de lei, tal qual o PL 6764/2002 encaminhado pelo então ministro da Justiça Miguel Reale Jr., que, a pretexto de substituir a LSN, reciclam o entulho autoritário sob uma nova roupagem.

Como um dos pontos de partida para os debates que resultaram na aprovação, no Senado Federal, do PL 2.108/2021 — que revoga a LSN e inclui um novo título no Código Penal para tratar dos crimes contra o Estado Democrático de Direito —, o PL 3864/2020 apresentado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) promoveu significativos avanços em face dos projetos anteriores, pautados pela reedição da doutrina da segurança nacional em crimes tais como “atentado à soberania”, “traição”, “insurreição”, “conspiração” e “sabotagem”, historicamente vinculados à perseguição de opositores do governo e não à preservação da democracia.

O modelo ideal deveria ser a substituição da lei atual, repleta de conceitos amplos e indeterminados, por um projeto minimalista, que delimitasse o alcance dos tipos penais a atos que efetivamente atentem contra a estrutura do Estado Democrático de Direito constitucionalmente estabelecido.

No fim do dia, conseguiu-se aprovar no Congresso um projeto adequado que, embora ainda distante do modelo ideal, promoverá inegável avanço democrático em relação à lei vigente, visando essencialmente afastar de vez qualquer possibilidade de criminalização de ações sociais e políticas, indispensáveis a qualquer democracia.

Como pontos positivos, destacam-se a previsão expressa de que não constituem crimes contra o Estado Democrático de Direito as manifestações críticas, a atividade jornalística e a reivindicação de direitos (art. 359-T) e a exclusão de tipos penais absolutamente incompatíveis com a ordem constitucional, que permaneciam formalmente vigentes na Lei de Segurança Nacional e vinham sendo utilizados como instrumento de perseguições políticas.

Entretanto, é preciso sublinhar que existem pontos críticos que exigirão vigilância contínua à aplicação da lei pelo sistema de justiça. Nesse sentido, destaca-se negativamente a perpetuação da lógica bélica de combate ao inimigo, reeditada especialmente nos crimes de atentado à soberania (art. 359-I), atentado à integridade nacional (art. 359-J), espionagem (359-K) e sabotagem (art. 359-R), pois a utilização de conceitos indeterminados e historicamente relacionados à doutrina da segurança nacional podem, mesmo contra a vontade do legislador, servir de instrumento a perseguições políticas.

O canto da sereia anuncia que a partir da segurança nacional se instala a ordem democrática, mas a história revela que o punitivismo penal só produz o caos e a violência. Nesse sentido, embora se revelasse muito mais compatível ao ideal constitucional a adoção de uma lei minimalista, exatamente como o PL 3864/2020 apresentado pelo deputado Paulo Teixeira, é preciso reconhecer que a sanção integral ao projeto aprovado no Congresso Nacional promoverá inegável avanço democrático em relação à atual LSN e aos projetos anteriores que se prestavam à reciclagem desse entulho autoritário, especialmente pela proteção das manifestações críticas, da atividade jornalística e da reivindicação de direitos. •

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