Quando, em 2017, foi promulgada a “Reforma Trabalhista”, o argumento de propaganda  era incessante: ao se baratear o preço do trabalho humano, via redução de direitos dos trabalhadores, as empresas contratariam mais pessoas e o desemprego seria definitivamente reduzido ou mesmo eliminado. Quatro anos depois, a realidade desmente integralmente o discurso liberal, como pode ser facilmente notado no gráfico abaixo, de autoria do economista David Deccache:

Desde julho de 2017, os empregos com carteira assinada não cresceram, a ocupação precária teve forte incremento e a desocupação de maiores de 14 anos oscilou em patamar alto. Os únicos efeitos reais da deforma foram o aumento da lucratividade dos empregadores e a redução da renda e da segurança dos empregados.

A Medida Provisória 1045, que tramita no Congresso e já tendo sido aprovada na Câmara dos Deputados na noite de 10 de agosto, vai um grande passo além na precarização das relações de trabalho no Brasil. É a famigerada “carteira verde-amarela” entrando atravessada.

Usando uma “sopa de letrinhas” – BIP, BIQ, Requip, Priore, SSV – a maioria dos deputados produziu um segundo ato da tragédia trabalhista que assola o país. O texto aprovado cerceia a fiscalização do exercício do trabalho, restringe acesso à gratuidade em demandas trabalhistas, reduz em mais de metade o valor das horas extras para categorias como bancários, jornalista e operadores de telemarketing e legaliza modalidades de trabalho sem garantias.

As centrais sindicais denunciam que a criação do Regime Especial de Trabalho Incentivado (Requip) estabelece uma espécie de trabalhador de “segunda classe”, sem contrato de trabalho e, portanto, sem direitos (como férias, FGTS, contribuição previdenciária, entre outros). Segundo a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT, “esta modalidade de trabalho ficará completamente à margem da legislação trabalhista, já que não haverá vínculo empregatício; não haverá salário, mas apenas o pagamento de ‘bônus’; não haverá recolhimento previdenciário ou fiscal; não haverá férias; o vale-transporte também será garantido apenas parcialmente”.

O trio de programas-jabuti (Requip, Priore e Serviço Social Voluntário) que subiu na árvore da MP é avaliado pela cientista social Helena Abramo em termos precisos: “são dirigidos essencialmente aos jovens e isso não é um detalhe. Consolida uma ideia que há muito tempo circula, impulsionada por centros como o BID, a OCDE e todos os intelectuais orgânicos do neoliberalismo – a de que o grande problema da juventude é o desemprego e que vale qualquer coisa para tirá-la da condição de ‘nem nem’.”

Segundo Abramo, “isso se faz tornando-a ‘mais empregável”, diminuindo seu custo para as empresas, permitindo que a eles se pague um salário menor que o mínimo estabelecido no país, retirando seus direitos, ou mesmo criando formas de vínculo que não permitem sequer que seja considerado emprego, mas treinamento. Isso não é uma forma de apoiar a entrada dos jovens no mundo do trabalho, é um modo de criar um exército de trabalhadores sem direitos, de ir  ‘acostumando’ toda uma geração à ideia de que o trabalho não deve ser ‘decente’, protegido, com direitos.”

O ato final da nova tentativa de ataque aos trabalhadores se dará no palco do Senado. Partidos de oposição progressista, centrais sindicais, movimentos sociais e todas as instituições e entidades que não aceitam ainda mais precarização da vida laboral terão que ser plateia muito ruidosa para impedir a ampliação da grande mentira de que “menos direitos garantem mais emprego”.

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