GOLPE DE 2016 – Brasil sofre atraso tecnológico
A insensibilidade de Michel Temer e Jair Bolsonaro deixaram o país desassistido e colecionando oportunidades perdidas na área de telecomunicações. Perdemos a entrada do 5G, assistimos à crescente exclusão digital, vimos o desmonte do setor de áudio e video e abrimos mão do cabo ligando Brasil à Europa
Decorridos cinco anos do golpe, o quadro na área de telecomunicações é desolador. Em uma área intensiva em inovação, a tempestividade das decisões altera de forma radical as possibilidades de avanço e seus impactos sobre a sociedade. Desde o Golpe de 2016, quando Dilma Rousseff foi derrubada do governo central por impeachment sem crime de responsabilidade, o Brasil coleciona oportunidades perdidas, por escolhas incompetentes dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Logo nos primeiros dias após o golpe, as políticas públicas de telecomunicações perderam força e poder na agenda nacional. O Ministério das Comunicações, criado em 1967 e fortalecido nas gestões de Lula e Dilma, foi extinto na primeira reforma ministerial de Michel Temer. A pasta foi incorporada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, fazendo com que a agenda de inclusão digital e de fortalecimento do setor de telecomunicações fosse relegada ao segundo plano.
Embora tenha recriado o Ministério das Comunicações em 2020, Bolsonaro não o fez para fortalecer as agendas do setor de telecomunicações. É o ministro quem cuida da operação política do governo junto ao Congresso e da comunicação institucional governamental, incorporando a antiga Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Atualmente, o ministro é o chefe da propaganda do governo. A agenda de telecomunicações continua relegada ao segundo plano.
O desperdício de oportunidades com o 5G
O leilão das frequências para a adoção da rede 5G de telecomunicações se arrasta no tempo, apesar de se saber que essa tecnologia é disruptiva e sua implantação é urgente e imprescindível para as revolucionárias aplicações previstas para a indústria, serviços e agricultura. A área de ciência, tecnologia e inovação vive um processo dramático de cortes nos investimentos e não há um plano para assegurar que o setor se aproprie da plataforma 5G para impulsionar as transformações econômicas, sociais e ambientais necessárias para que o Brasil esteja em sintonia com o que ocorre na China e nas outras nações desenvolvidas.
Mantido o quadro atual, a tendência é que a incorporação do 5G não gere impactos tão amplos como possível e se amplie o fosso que nos separa das nações desenvolvidas. •
Cresce exclusão digital
O ambiente da pandemia do Covid-19 explicitou as desigualdades sociais na área de comunicações. Enquanto as crianças e os jovens de classe média puderam manter o seu processo de aprendizado através das aulas online, transmitidas por plataformas de ensino à distância (EAD) na internet, os mais pobres, alunos da rede pública de educação, ficaram bloqueados em relação ao sistema educacional por não terem acesso à internet. A consequência disso foi a elevação da distância de aprendizado entre camadas sociais e o aumento da desigualdade social.
O Congresso fez o seu papel, ainda que limitado, ao aprovar o Projeto de Lei 3477/2020, destinando R$ 3,5 bilhões ao subsídio do acesso à internet e à compra de dispositivos como tablets e smartphones aos alunos da rede pública no ano de 2020. Apesar dessa iniciativa, Bolsonaro vetou.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (Pert), em junho de 2019. Nele, estão identificadas as carências de acesso à internet em todo o país: pequenas cidades, escolas, unidades de saúde, população mais pobre. Apesar da excelente iniciativa, a universalização da internet continua sendo um sonho por absoluta insensibilidade social do Palácio do Planalto, que não aloca recursos orçamentários para essa finalidade.
O avanço no acesso à internet tem ocorrido graças sobretudo aos milhares de pequenos provedores que se expandiram por todo o país e que, hoje, no seu conjunto, lideram a expansão do acesso da população à internet fixa. Os planos de acesso à internet por celular, oferecidos pelas grandes operadoras e por provedores que usam sua infraestrutura e licenças de ocupação do espaço para comercializar o serviço celular com suas marcas, são limitados nas franquias de dados. Com isso, as classes D e E, e mesmo a C, que acessam à internet basicamente por celular, têm um serviço precário e ineficiente.
Além das grandes operadoras e dos pequenos provedores, há duas empresas públicas que deveriam cumprir papel complementar às empresas privadas no provimento do acesso à internet. A Rede Nacional de Pesquisas (RNP) destina-se a conectar universidades, institutos federais de educação, ciência e tecnologia e de pesquisa. Tem cumprido o seu papel, embora cada vez mais limitado por falta de recursos orçamentários.
A Telebrás foi reativada em 2011, para constituir uma rede estrutural (backbone e backhaul) pública cuja comercialização asseguraria aos pequenos provedores regionais o acesso à grande rede. Naquele momento, as grandes operadoras dificultavam a conexão à rede, cobrando preços exorbitantes ou não comercializando o acesso ao backbone.
A reativação da Telebrás foi um sucesso, pois, ao oferecer backbone de qualidade a preços módicos, quebrou o oligopólio, fazendo com que os preços de mercado de atacado despencassem, o que permitiu aos pequenos provedores oferecer acesso no varejo a preços bem mais acessíveis aos usuários. A Telebrás expandiu de forma rápida o seu backbone, mas sofreu duras restrições orçamentárias após o Golpe de 2016. •
Construído a partir de 2014, satélite estacionário está subaproveitado
O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC) foi projetado com duas bandas: a banda X, destinada às comunicações de segurança militares; e a banda KA, destinada ao acesso à internet em banda larga, em todo o território brasileiro.
Ao decidir pela compra, o governo Dilma buscava, além de ter um satélite de comunicações de última geração tecnológica, capacitar técnicos e empresas brasileiras para que o SGDC 2 viesse a ser integralmente montado em território brasileiro.
Por isso, constam do contrato com a empresa francesa Thales Alenia Space, o treinamento de técnicos da Telebrás, das Forças Armadas, da Agência Espacial Brasileira (AEB) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), assim como um programa de transferência de tecnologia.
Quando houve o Golpe de 2016, o SGDC estava pronto para ser lançado, com a infraestrutura terrestre praticamente concluída para a operação. Faltava a construção do centro definitivo de controle em Brasília, embora a central inicial já estivesse totalmente montada. Dilma a visitou pela última vez em março de 2014.
O SGDC foi lançado com sucesso em maio de 2017. Mas aí começaram os problemas, devido à combinação de incompetência, cortes de recursos e total ausência de visão estratégica sobre o papel desse sistema para a inclusão digital e para o desenvolvimento tecnológico e industrial do Brasil.
Sem a devida transparência, foi firmado contrato com a empresa Viasat para a comercialização dos acessos, fato que gerou um contencioso jurídico que atrasou enormemente o início da comercialização do SGDC. Foram dois anos perdidos, com o satélite em órbita, queimando combustível e preciosos anos dos seus 18 de tempo de vida. Foram muitos milhões de reais do orçamento público absolutamente perdidos.
Embora o SGDC esteja completando quatro anos do seu lançamento e não haja transparência plena nas informações sobre o uso dos 58 Gb/s de sua capacidade, há grande ociosidade na ocupação desse importante sistema de comunicação, que cobre todo o território brasileiro. Não faltam escolas e alunos, unidades de saúde e pacientes a serem conectados. Apesar da crise pandêmica, o SGDC, que custou R$ 2,8 bilhões, tem hoje apenas cerca de 30% da sua capacidade da banda KA utilizada.
Ademais, não há qualquer iniciativa para dar sequência à transferência de tecnologia. O programa do SGDC previa, além da capacitação dos técnicos, a identificação de empresas brasileiras com potencial para desenvolver e produzir subsistemas importantes de um satélite de comunicações. Houve a identificação de empresas e a transferência de tecnologia, capacitando essas empresas a projetar os subsistemas. No entanto, de pouco valerá esse trabalho se não for levado à frente o projeto e montagem do SGDC 2 no Brasil. •
Cabo submarino Brasil-Europa foi abandonado
No governo Dilma, decidiu-se que, como parte de sua infraestrutura, a Telebrás implantaria um cabo de comunicações entre o Brasil e a Europa. Da parte brasileira, o interesse devia-se ao fato de não termos ligação direta com a Europa. As rotas de cabos internacionais até então se dirigiam aos EUA e de lá para a Europa, o que, além de revelar problemas geopolíticos estratégicos, tornava o caminho para a Europa muito longo, com repercussão na latência das comunicações, sobretudo aquelas ligadas a atividades de pesquisa online.
Como laboratórios da Europa realizam importantes atividades de pesquisa em astronomia a partir de potentes telescópios localizados no deserto do Atacama, no Chile, a União Europeia decidiu participar do empreendimento, com aporte considerável de recursos. Por isso, o projeto foi viabilizado com a constituição de uma empresa em joint venture entre a Telebrás e um grupo empresarial espanhol.
Após o golpe, diante do brutal corte de gastos e da concepção neoliberal dos governos Temer e Bolsonaro, os recursos brasileiros para viabilizar a implantação do cabo foram eliminados do orçamento. O governo decidiu também que a Telebrás deveria abandonar esse estratégico projeto. Com isso, o cabo submarino Brasil-Europa está sendo implantado exclusivamente por uma empresa espanhola, a EllaLink. •
Lançado em 2015, o Amazônia Conectada era um dos mais importantes programas de conectividade para a região, e buscava cobrir a Amazônia com 9 mil quilômetros de cabos ópticos, interligando 59 de seus municípios por meio de infovias, utilizando o leito dos rios. Ele seria implementado em parceria pelos ministério da Defesa (Exército), Ciência e Tecnologia (RNP) e Telebrás, aos quais se juntaram entidades de C&T do Amazonas.
Apesar de seu caráter estratégico, o Amazônia Conectada foi paralisado. O trecho inicial, um link entre duas unidades do Exército em Manaus, foi inaugurado em 2016. Em 2017, estava previsto o lançamento de 900 km de cabo entre Manaus e Tefé, mas só uma parte foi lançada e não foi ativada por falta de alocação de recursos.
No governo Bolsonaro, o nome do projeto foi trocado para Programa Amazônia Conectada e Integrada (PAIS), mas continua paralisado. O projeto parou quando se discutia o desenho institucional: a governança, o gestor e a participação da iniciativa privada no provimento de internet aos municípios e distritos por meio da compra de capacidade, entre outros. •
Amazônia Conectada foi paralisada
No governo Dilma, foi aprovada a Lei 12.485/2011 — conhecida como Lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado) —, estabelecendo marco regulatório único para a TV por assinatura e instituindo a obrigatoriedade de cotas para a produção audiovisual brasileira independente em todos os canais de espaço qualificado (filmes, documentários, animação infantil).
O resultado foi extremamente positivo. O número de assinantes da TV paga mais que dobrou, crescendo de 8 milhões para quase 19 milhões. A produção audiovisual brasileira explodiu, estimulada pela política de cotas e pelo financiamento público da produção, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Milhões de brasileiros passaram a ter acesso à produção cultural brasileira e os empregos nesse setor cresceram enormemente.
Com os governos Temer e Bolsonaro, assistimos ao desmonte de toda a política cultural, com cortes drásticos no orçamento da área. Os recursos do FSA, turbinados pela lei do SeAC, passaram a ser contingenciados, chegando à paralisia total de Bolsonaro.
O garrote imposto à Ancine não decorre apenas da visão fiscalista, mas também de uma orientação de corte fascista que visa a impedir que a população tenha acesso a manifestações culturais fundadas na liberdade e na diversidade.
Com o desenvolvimento da internet e a possibilidade de distribuição de conteúdos audiovisuais por esse meio (“streaming”), a Anatel passou a ser pressionada por grupos empresariais nacionais e internacionais para considerar o streaming fora do alcance regulatório da lei do SeAC.
Embora essa lei defina que se aplica a “todos os meios” de distribuição, a agência encontrou um artifício para satisfazer os agentes de mercado, ao considerar o streaming um serviço de valor adicionado e não de telecomunicações.
Dessa forma, os serviços de streaming, sejam de oferta de canais ou de vídeo por demanda, não estão sujeitos a nenhum marco regulatório. Perdeu a produção audiovisual brasileira, perderam os brasileiros que deixaram de ter acesso à produção cultural nacional. A luta por um marco regulatório do streaming está de pé e é fundamental para a promoção da cultura brasileira. •
Menos rádios comunitárias e educativas
Até o Golpe de 2016, o Ministério das Comunicações elaborava Planos Nacionais de Outorgas (PNOs) e publicava editais para contemplar novos municípios com frequência. No momento da interrupção do governo Dilma, havia PNOs prontos para radiodifusão comunitária e radiodifusão educativa.
Esses PNOs foram ignorados no governo Temer e os que estavam em curso foram interrompidos. Processos seletivos já em curso demoraram a ter seus resultados publicados ou nem tiveram. Depois, o governo até publicou um novo PNO de Rádio Comunitárias, mas com muito menos municípios.
Assim, nestes últimos cinco anos, deixaram de ser publicados editais para novas rádios comunitárias em mais de 1.500 municípios e para novas rádios e TVs educativas para mais de 740 municípios. Isso sem falar em processos interrompidos de editais anteriores, publicados até maio de 2016, que poderiam ter resultado em novas emissoras.