Em plena crise sanitária, com 540 mil mortos, o governo procurou empresas terceirizadas para adquirir imunizantes, por preços superfaturados. Pazuello mentiu ao dizer que não recebia empresas para tratar de negócios. Um vídeo mostra que ele esteve prestes a comprar doses da Coronavac mais caras

 

Negacionismo, não. Negócio mesmo. À medida em que avançam as apurações da CPI da Covid, crescem os indícios de que o governo Bolsonaro viu nas vacinas uma oportunidade de assaltar os cofres públicos. No caso dos imunizantes, a estratégia teria sido a de atrasar as negociações diretas com laboratórios e, mais tarde, priorizar contratos que passassem por uma empresa intermediária, facilitando assim compras superfaturadas. O Brasil atingiu esta semana a triste marca de 540 mil mortos.

“O que nós vimos foi a troca da negociação direta pela intermediação. É uma situação que se repete”, chama a atenção o senador Rogério Carvalho (PT-SE). De fato, o governo tratou de forma diferente as negociações diretas com os fabricantes e as que passavam por atravessadores.

Quando a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) ofereceu ao Brasil 40 milhões de doses por meio do consórcio Covax Facility, Bolsonaro fez pouco caso e acabou comprando apenas 4 milhões de doses. Também, quando a Pfizer e o Instituto Butantan ofereceram os imunizantes, o governo sistematicamente ignorou dezenas de contatos.

Com a vacina indiana Covaxin foi diferente. Como a empresa não tinha representação no país, a venda necessitaria de uma segunda empresa que fizesse a negociação. Foi aí que surgiu a Precisa Medicamentos, que intermediou aquela que se revelou a compra mais cara feita pelo Brasil — US$ 15 por dose.

Para que o negócio prosperasse, o governo foi ligeiro. Bolsonaro avisou pessoalmente o governo indiano que compraria a vacina, e coronéis do Ministério da Saúde pressionaram servidores a agilizar a compra, pedindo até que a Anvisa concedesse “a exceção da exceção” para liberar o imunizante.

Detalhe: um dos donos da Precisa, Francisco Maximiano, é dono também da Global, a empresa que deu calote no Ministério da Saúde em uma intermediação feita na época em que o hoje líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), era o ministro da Saúde, no governo Temer.

O Planalto foi rápido até quando duas empresas sem nenhuma expertise no assunto — a brasileira Senah, do reverendo Amilton de Paula, e a americana Davati — ofereceram 400 milhões da AstraZeneca, com quem o governo já tinha negociado diretamente. Nesse caso, houve repetidas reuniões, trocas de e-mails constantes e, segundo denúncia, um pedido de propina.

Outra evidência do modus operandi mais que questionável do governo foi a compra da Sputnik V. Enquanto governadores negociaram a vacina diretamente com os russos, o Ministério da Saúde preferiu fazer a negociação com a intermediária União Química. Resultado: governadores pagaram US$ 9,95 a dose, e o Bolsonaro, US$ 11,95. •

 

 

Pazuello recebeu atravessadores

“A compra da vacina virou uma grande oportunidade para o governo fazer negócios. Este governo transformou a dor e a necessidade de ter vacinas, porque atrasou a compra, em oportunidade de negócio. Teve a frieza de segurar (a compra) até elevar a pressão e, assim, legitimar a compra por qualquer preço”, denuncia Rogério Carvalho.

Para o senador, até mesmo a compra da vacina Pfizer parece ter sido superfaturada após passar por intermediários. “Quem foi que intermediou a compra da Pfizer? (O ex-secretário de Comunicação) Fábio Wajngarten, que não tinha nada a ver com o Ministério da Saúde”, lembrou. “A vacina custou US$ 10 no primeiro lote e, depois, nas quase 101 milhões de doses seguintes, US$ 12”, acrescentou.

A própria Coronavac, produzida no Brasil pelo Butantan, chegou a ser negociada por atravessadores. A Folha de S. Paulo denunciou na sexta-feira, 16, que uma reunião suspeita, em 11 de março, do General Eduardo Pazuello e o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Coronel Élcio Franco, com representantes da empresa catarinense World Brands. Na pauta, oferta ao Ministério da Saúde de doses importadas da China ao preço de US$ 28. No vídeo do encontro, o  ex-ministro diz: “Já saímos daqui hoje com o memorando de entendimento já assinado e com o compromisso do ministério de celebrar, no mais curto prazo, o contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no mais curto prazo possível para atender a nossa população”.

O negócio, aparentemente, só não prosperou porque Bolsonaro acabou demitindo Pazuello no dia 26 de março, uma semana depois de o presidente se reunir no Alvorada com os irmãos Miranda, que levaram a denúncia sobre negócios suspeitos no Ministério da Saúde. A CPI investiga por que o governo Bolsonaro procurou sistematicamente negociar vacinas com atravessadores. O vídeo prova que Pazuello mentiu ao depor na CPI da Covid e dizer que nunca havia recebido empresas que levaram ao governo ofertas de vacinas.

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