O presidente Jair Bolsonaro encerrou a semana num leito do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, com obstrução intestinal decorrente de uma inflamação do intestino. Está de molho, pode até vir a ser eventualmente operado, mas nem por isso parou de atuar nas redes sociais. Continua freneticamente postando fotos de suas andanças pelos corredores do hospital e tentando se defender das suspeitas que envolvem a compra de vacinas pelo governo. Nos últimos dez dias, a CPI da Covid esbarrou em novas evidências e está avançando nas investigações sobre a corrupção no Ministério da Saúde.

Na noite de quarta-feira, o Jornal Nacional, da TV Globo, trouxe novas revelações sobre o escândalo no governo. Mensagens no celular de Luiz Dominghetti, o policial militar de Minas Gerais que estava negociando a venda de vacinas da AstraZeneca — e acusou o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias de pedir propina de US$ 1 por dose, em 25 de fevereiro —, indicam que o grupo procurou diretamente Bolsonaro para negociar a venda de vacinas.

O elo entre a empresa americana Davati, que estava intermediando os imunizantes mesmo sem o reconhecimento da farmacêutica, e o presidente Jair Bolsonaro para tratar do negócio de compras da AstraZeneca seria o reverendo Amilton Gomes de Paula. Foi ele quem teria apresentado Dominguetti a integrantes do Ministério da Saúde. Amilton foi convocado a depor na CPI e seu depoimento estava marcado para quarta-feira, 14, mas, ele apresentou um atestado médico que o impediria de depor por 15 dias. Deve ser ouvido só em agosto.

Na terça-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, concedeu habeas corpus, autorizando o silêncio parcial do reverendo Amilton Gomes de Paula e do tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde.

Uma das mensagens do celular do PM traz um diálogo dele com Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil. Em 13 de março, Dominghetti envia mensagem a Cristiano: “Estão viabilizando sua agenda com presidente [Jair Bolsonaro]”, Cristiano responde em áudio, pedindo a confirmação: “Dominghetti, por favor, verifica para mim se o presidente vai atender hoje ou amanhã ou até na terça, porque aí eu preciso mudar o voo e preciso reservar o hotel, tá bom? Obrigado”.  Ainda no mesmo dia, Cristiano envia áudio ao PM parceiro. “Dominghetti, agora nós precisamos aí… O reverendo está falando que está marcando um café da manhã com o presidente amanhã, às 10h, 9h, sei lá, que vai ter um café com os líderes religiosos e a gente vai entrar no vácuo, tá? Agora tem que fazer ele confirmar isso aí para a gente colocar uma pulguinha atrás da orelha do presidente, tá?”

A CPI quer saber qual o grau de proximidade do reverendo com o presidente. Os senadores já sabem que o diretor de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz, deu autorização ao reverendo Amilton para negociar 400 milhões de doses da AstraZeneca em nome do governo brasileiro. Ele está à frente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), que embora tenha nome de órgão público, é uma organização social sediada em Brasília. O reverendo, fundador e presidente da Senah, esteve no Ministério da Saúde em 4 de março, junto com Dominghetti, conforme fotos publicadas nas redes sociais (acima). Ele afirma que se reuniu com representantes da pasta “para articulação mundial em busca de vacinas”.

Amilton tem ligações históricas com o bolsonarismo. Em 2018, era filiado ao PSL de Brasília — a mesma legenda pela qual Bolsonaro disputou e venceu as últimas eleições presidenciais — e pela qual foi eleita a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e ponta de lança da guerra travada pelo bolsonarismo contra autoridades do Judiciário e adversários do presidente nas redes sociais. Também tem ligações com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), outra integrante da tropa de choque do bolsonarismo. Por fim, ainda é próximo do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

A Senah não negociou só com o governo federal as doses de vacinas. Ela também ofereceu os imunizantes — no valor de US$ 11 a unidade, com prazo de entrega de até 25 dias — para prefeituras e governos estaduais, Brasil afora — conforme revelou a Agência Pública. O valor seria três vezes superior aos imunizantes adquiridos pelo governo federal para a mesma vacina da AstraZeneca com a Fiocruz: US$ 3,16. Pelas mãos da Senah, a dose contra a Covid custa o dobro do valor do Instituto Sérum, de US$ 5,25.

Aparentemente, em 15 de março, o reverendo teria obtido uma agenda com Bolsonaro no Planalto, junto com líderes religiosos para um encontro de duas horas. O nome de Amilton não consta oficialmente entre os participantes do evento. No mesmo dia, às 17h, Dominghetti pergunta a um auxiliar do reverendo Amilton: “Como foi a visita do reverendo ao 01?”. E o interlocutor responde: “O reverendo nesse momento está com o 01”. O interlocutor seria Amauri, identificado na agenda de Dominghetti, como “Amauri vacinas embaixada”, uma referência a outro nome usado pela Senah, de Embaixada Mundial pela Paz.

Em 16 de março, Dominghetti conversou diretamente com o reverendo. Questionado sobre o andamento das negociações, Amilton diz: “Ontem falei com quem manda! Tudo certo! Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas!”

Na segunda-feira, 12, ao ser indagado pela imprensa sobre o reverendo Amilton, o presidente Jair Bolsonaro disse: “Olha, se eu vi a cara dele, pode ser que eu lembre de algum lugar, mas não estou lembrado dele no momento. Eu sei que ele não vai depor nesta semana, por um problema não sei por que alegou. Pediu para adiar o depoimento. Eu desconheço”. À Globo, o reverendo negou que tenha conversado sobre vacinas com o presidente. Mas não soube explicar a quem se referia ao falar que havia conversado “com quem manda”.

`