O Partido terá de alastrar e aprofundar seu enraizamento na sociedade, disputar espaço e liderança nas entidades, nos movimentos, nas organizações e instituições

O Partido terá de alastrar e aprofundar seu enraizamento na sociedade, disputar espaço e liderança nas entidades, nos movimentos, nas organizações e instituições

Um novo PT

Por Perseu Abramo
28/01/1995

O PT chega a um ponto de sua existência em que é legítimo indagar se já não terá cumprido seu papel na História. O Partido contribuiu decisivamente para o fim da Ditadura e o advento das liberdades democráticas, da anistia, das eleições diretas. Mas hoje o PT perdeu muito do charme e do carisma iniciais. A sigla, a estrela, a origem de classe, a cara barbuda e zangada de seus líderes já não emocionam como antigamente. O PT já não é o único a empunhar bandeiras libertárias e democráticas, a representar setores esquecidos da sociedade, a diagnosticar desigualdades e injustiças, a prometer soluções para os males do país.

Nem sempre o Partido dos Trabalhadores conseguiu pôr em prática sua promessa de fazer política de uma forma nova e diferente. O Partido foi perdendo pouco a pouco sua especificidade (uma de suas marcas registradas originais) e caindo na indiferenciação, a ponto de se tornar cada vez mais difícil distinguir entre o “político em geral” e o político petista.

O Partido não pode minimizar o significado político e histórico de suas últimas derrotas eleitorais: 89, 90, 92, 94. Derrotas mescladas de vitórias setoriais e parciais, é verdade. Mas a questão fundamental é que, graças à democracia que o PT ajudou a construir, o eleitorado brasileiro teve duas grandes oportunidades, depois da Ditadura, de escolher o País que queria. Nas duas, escolheu o projeto oposto ao do PT.

A vitória de FHC e dos governadores tucanos, nas condições e alianças em que se deu, significou o advento de um novo ciclo para o Brasil. O nome pouco importa: neo-liberalismo, social-liberalismo, liberal-social-democracia… É uma nova composição da classe dominante, um novo compromisso histórico, à semelhança do de 1930: então, como agora, fazendeiros, industriais e banqueiros também se unificaram para manietar o proletariado urbano e cortar pela raiz qualquer veleidade campesina, com a indiferença da maioria silenciosa, o apoio entusiasta de setores da classe média e a cooptação ligeiramente constrangida de parte da intelligentsia.

Que lugar sobra para o PT nesse quadro?

Sob pena de perder a razão de ser, o Partido dos Trabalhadores continuará lutando pelo ideal de buscar uma sociedade justa e igualitária, sem exploração nem opressão, e isso, para a maioria dos petistas, implica na superação do capitalismo. O grande desafio programático que o PT tem pela frente é o de descobrir como, sem renunciar a esse ideal, viabilizar a existência e a ação do Partido num clima adverso e hostil.

Nos últimos anos o PT desenvolveu uma linha de ação (ou uma “estratégia”, como alguns preferem) baseada na idéia da conquista do governo central, através da eleição do presidente da República, para dar início à implantação de um projeto global alternativo para o Brasil. Essa linha não deu certo. São pelo menos dois os seus aspectos incorretos: associa a necessidade da aplicação de um projeto alternativo à possibilidade de conquistar a Presidência da República; e assim transforma em ponto de doutrina uma decisão – o lançamento da candidatura – que só poderia resultar de uma oportunidade específica da conjuntura.

O PT precisa rever drasticamente essa linha, desvinculando os dois objetivos indevidamente associados, para melhor hierarquizá-los, decidir-se pelo que considera mais importante e subordinar o secundário ao principal.

O Partido deve continuar pretendendo promover as transformações profundas capazes de alterar a fisionomia da sociedade brasileira; e, para isso, deve ser capaz de elaborar um projeto alternativo que integre historicamente essas transformações. Mas deve abdicar de querer aplicá-las de forma global, simultânea e única, se isso não for possível: terá de concentrar seus melhores esforços em mudanças que, embora parciais, sejam significativas, relevantes, duradouras.

Da mesma forma, o PT poderá renunciar a concorrer à presidência da república, ao governo dos principais estados, das capitais e dos grandes centros urbanos quando, sabidamente, não houver qualquer chance de vitória, com candidaturas próprias ou coligadas. E, se necessário, deverá saber integrar governos mesmo que liderados por outras forças, desde que tal integração esteja fundamentada em razões programáticas, transparentes, claras, públicas.

O Partido terá de alastrar e aprofundar seu enraizamento na sociedade, disputar espaço e liderança nas entidades, nos movimentos, nas organizações e instituições. Precisará aperfeiçoar sua atuação nos parlamentos de todos os níveis; para isso, deverá dotar a estrutura partidária de poderosos mecanismos de acompanhamento da ação política, formação da militância e qualificação de seus quadros. O PT deverá perseguir o ideal de exercer o máximo de influência social, política, cultural.

E, principalmente, o Partido deverá dar maior nitidez às suas propostas para que todos saibam quais setores serão enfim beneficiados, quais perderão seus injustos privilégios e que tipo de Brasil o PT pretende construir.