… a partir dos anos 40, Perseu trouxe sua contribuição ao movimento que terminaria vitorioso em 1975, retomando a tradição democrática do nosso Sindicato.
Por Audálio Dantas

… a partir dos anos 40, Perseu trouxe sua contribuição ao movimento que terminaria vitorioso em 1975, retomando a tradição democrática do nosso Sindicato.
Por Audálio Dantas

A paciência e a coragem dos sábios

Por Audálio Dantas*
Março de 1966

Conheci Perseu Abramo numa trincheira. Para ser exato, na preparação de uma trincheira que viria a ter grande importância na luta de resistência à ditadura militar implantada pelo golpe militar de 1964. Nossa luta, naquele momento, começava pela organização do movimento de oposição no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, então dominado por grupos comprometidos com os interesses do regime militar.

O Movimento de Fortalecimento do Sindicato – MFS – crescia nas redações, reunindo profissionais inconformados com a situação da entidade, principalmente pela omissão diante da censura imposta pelo governo aos meios de comunicação. De caráter amplo e pluralista, o MFS reunia jornalistas de tendências diversas. Todos porém comprometidos com a luta contra a ditadura. Perseu Abramo era um dos expoentes desse grupo.

Ele tinha em seu currículo, além de uma atuação profissional exemplar, toda uma história de lutas em defesa das liberdades democráticas. Experimentado na luta desde os tempos de militância na Esquerda Democrática e no antigo Partido Socialista Brasileiro, a partir dos anos 40, Perseu trouxe sua contribuição ao movimento que terminaria vitorioso em 1975, retomando a tradição democrática do nosso Sindicato.

Importante na organização do movimento de oposição – a preparação da trincheira – mais importante se tornaria a atuação de Perseu Abramo dentro da trincheira em que se transformou o Sindicato a partir da posse da nova diretoria em abril de 1975. O pluralismo que caracterizara a campanha eleitoral estava presente na atuação da diretoria que tive a honra de presidir. Uma das primeiras decisões por ela tomada foi a de formar um grupo que funcionaria como uma diretoria informal ampliada, trazendo sua colaboração para a reorganização do Sindicato e para a preparação para as lutas que sabíamos ter pela frente.

Não pertencendo à diretoria, Perseu foi um dos primeiros a atender ao chamado. Ele trazia a contribuição de suas idéias, sem, entretanto, tentar impô-las. Era uma presença marcante, caracterizada pela segurança com que defendia seus pontos de vista e, principalmente, pela tolerância em relação aos contrários. Havia, naturalmente, os que tinham pressa e imaginavam poder resolver tudo de uma hora para outra.

Perseu tinha a paciência dos sábios e conseguia sempre encaminhar discussões para o consenso. O importante, ele sabia, eram os avanços que se obtinham nas lutas do dia-a-dia, com o Sindicato cada vez mais aberto à participação da categoria.

Passados vinte anos, ainda não foi devidamente avaliada a importância da atuação do nosso Sindicato, a partir de 1975. O trabalho de uma diretoria comprometida com a vocação democrática da categoria tinha a sua origem na organização de um movimento do qual participaram pessoas com a estatura de Perseu Abramo. Por isso esse trabalho foi significativo desde que a nova diretoria assumiu. Organizaram-se seminários e debates sobre temas até então proibidos, como a política salarial imposta pela ditadura, liberdade sindical e, principalmente, liberdade de informação.

Perseu esteve presente em todos esses momentos, sua participação seria marcante durante os dias de terror que se iniciaram com o seqüestro e as prisões de vários jornalistas e culminaram com o assassinato de Vladimir Herzog, no DOI-CODI do II Exército, no dia 25 de outubro de 1975.

Na denúncia do crime – mais um cometido pela ditadura – era preciso agir com firmeza e equilíbrio. Vivemos todos, por longos dias, sobre o fio da navalha. Entre os companheiros que tinham consciência disso e da importância assumida por nosso Sindicato, que se tornara uma referência na luta de resistência à opressão – uma verdadeira trincheira – estava Perseu Abramo, que cultivava a coragem e a paciência dos sábios.


*Audálio Dantas foi presidente do Sindicato dos Jornalistas, de 1975 a 78.

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