Imposto
25/11/1960
25/11/1960
Eu acho boa a idéia do Miguel Urbano Rodrigues (1): um imposto especial sobre as crônicas sociais (2). Concordo com ele quando diz que a crônica mundana, ou a “coluna social”, é uma chaga. Digo mais: essa crônica é uma chaga crônica. Ora, para um mal crônico, uma terapia permanente, enquanto não se tem a coragem de apelar para a cirurgia. Portanto, para remediar a crônica social ? se não se pode impedi-la ? um remédio de ação perene: o imposto, a taxa, o gravame, o ônus. Doce e financial vingança.
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Porque, é necessário lembrar: a crônica social existe, o cronista social “acontece” (como eles se orgulhariam de dizer) porque existe e “acontece” esse submundo da “classe” alta, nem aristocracia nobre nem elite dominante. Não nos iludamos: o cronista social cria em parte esse submundo, mas é um produto e um beneficiário dele, por ele sustentado, alimentado e vestido. E não me parece que a matéria prima de que se serve o cronista social tenda a desaparecer: ao contrário. E assim, o imposto bom mesmo de se criar seria aquele que gravasse os vestidos de fulana, os “parties” de sicrana, os “pif-pafs” de beltrana e os desquites de madama. Aí é que não se saberia mesmo onde pôr o excesso de arrecadação.
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Agora sejamos justos: se é para gravar com impostos, gravemos também outras coisas. Os discursos, por exemplo, ou pelo menos certos discursos ditos em certas ocasiões.
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A crônica social, o mau discurso, o mau conto, a poesia que ninguém entende, o artigo sobre nada ? existem mil coisas ditas e escritas que não precisariam nem deveriam ser ditas ou escritas; se o são, nada mais justo que multar seus autores com impostos sobre a obra produzida.
(1) Cidadão português, refugiado durante a ditadura Sallazar e jornalista do jornal O Estado de São Paulo.
(2) Entenda-se por crônica social os artigos que eram publicados na coluna social.