Eu gosto do progresso do mundo porque ele costuma simplificar as coisas. Antigamente, quando um rei ou presidente queria que se fizesse alguma coisa, chamava quem lhe parecia capaz de executar a tarefa e dizia: “Olhe, Fulano, faça a estrada para Roma, ou a ponte sobre o Sena, ou a Pirâmide”. E podia demorar um pouco, mas saia, a estrada para Roma, a Pirâmide, a ponte.

Depois, as coisas começaram a mudar de figura. Quando era necessário fazer alguma coisa nomeava-se uma comissão. A comissão se instalava, elegia seu presidente, indicava seu relator, elaborava seu regimento interno, realizava suas sessões, redigia suas atas e depois chamava quem lhe parecesse capaz de executar a tarefa e dizia: “Olhe, Fulano, faça a estrada de Minas, ou a ponte sobre o Tietê, a Estatua do Coronel”.

Mas o mundo evolui, dizem, e o progresso caminha. Logo se percebeu que as comissões não eram suficientes nem resolviam inteiramente o problema, Então se criaram os Conselhos. E estes se instalavam, elegiam seu presidente, indicavam seu relator etc. e etc. e etc. e depois criavam uma comissão, que também se instalava, etc. e etc. e etc., e depois chamava o Fulano: “Olhe, Fulano, faça…”. Mas o progresso não se contenta com pouco, está aí o telex que não me deixa mentir. Depois das Comissões e dos Conselhos inventaram-se os Fundos, as Câmaras e outros pavimentos da casa de pensão que é o sistema racional de divisão do trabalho administrativo e governamental. E o processo era sempre o mesmo, evoluído e progressista: instalavam-se, reuniam-se, indicavam-se, chamavam Fulano e mandavam-no fazer o que era preciso fazer.

Quando não havia mais o que inventar, inventaram novos nomes para as coisas velhas já inventadas. Hoje em dia ninguém mais cria uma comissão: estrutura uma equipe. Ninguém preside um Conselho: secretaria um Grupo de Trabalho. E no fim de numerosas reuniões sempre acabam chamando Fulano e dizendo: “Olhe, Fulano”. Mas o progresso não parou aí, continuou. Antigamente as missões, comissões, conselhos, câmaras, fundos, equipes, turmas, grupos, bandos, Grupos de Trabalho, Comitês de Pensamento, “Bureau” de Intenções etc. e etc., faziam reuniões. Hoje, não, que está provado que a reunião não resolve nada: hoje realizam-se “panels”, simpósios, seminários, conferências, encontros. Antigamente faziam-se atas. Hoje gravam-se, filmam-se. taquigrafam-se, mimeografam-se, imprimem-se e publicam-se relatórios, pareceres, resumos, roteiros, planos, livros brancos, azuis e amarelos. Como se vê, hoje em dia fazer uma estrada, uma ponte ou uma pirâmide é, no fundo, um pormenor sem importância diante do que é anteriormente necessário realizar, para , no fim, chamar alguém e dizer: “Olhe, Fulano”.

Outro dia compareci à homenagem a um velho homem público que se aposentava, cheio de honrarias, títulos, glórias e adicionais nos seus vencimentos. Ingenuamente, lembrando um pouco meus tempos de repórter-foca, perguntei-lhe no fim da homenagem: “Afinal, caro amigo, o que você fez de real, de concreto, o que você realizou ou construiu?”

“Bem, fazer, mesmo, não fiz nada”, confessou-me ele, depois de refletir introspectivamente um momento. E logo ajuntou: “Mas como deliberei, nestes oitenta anos de vida”…

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