DISCRIMINAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO: TODOS SABEM, NINGUÉM FAZ NADA – 2000

Carlos Porto

Uma pesquisa divulgada na semana passada pelo Ministério do Trabalho foi assunto em quase toda a imprensa: a de que o negro e a mulher ganham menos do que o homem branco no mercado de trabalho. De acordo com a pesquisa, o homem branco que mora em São Paulo ganha, em média, R$ 1.188 por mês. Em seguida, vem a mulher branca, com R$ 750. O homem negro (que inclui os mulatos) vem em terceiro, conseguindo R$ 601 mensais. Na lanterna, está a mulher negra, que sobrevive com míseros R$ 399 por mês.

Os números são chocantes e provam que a nossa massacrante má distribuição de renda brasileira passa necessariamente pela questão racial. Para mim, que acompanho há anos o assunto – primeiro, como fundador do TEZ (Trabalhos e Estudos Zumbi), em 85, e hoje como secretário nacional de Combate ao Racismo do PT -, os números estão longe de ser novidade.

Desde o Censo de 1976, quando pela primeira vez na história o IBGE cruzou os dados de cor com temas como salário, moradia e escolaridade, sabemos que o negro e a mulher sofrem discriminação no mercado de trabalho. A partir desses e outros dados, vários outros estudos foram feitos por sociólogos de todo o país, como Carlos Hasenbalg e Sérgio Adorno, comprovando que o negro – e o mulato – também sofrem discriminação no sistema judiciário, no tratamento policial e em vários outros lugares. A discriminação racial e a de gênero, em resumo, fazem parte da nossa realidade cotidiana, ao contrário do que pensam os que defendem o mito da democracia racial.

Muitas pessoas acham que a solução é que o negro e a mulher deveríam denunciar os casos de discriminação no mercado de trabalho à Justiça, pois o Brasil já dispõe de leis para combater o problema. No entanto, a questão, infelizmente, está longe de ser tão simples assim.

Para começo de conversa, há a desconfiança da Justiça, principalmente por parte da população negra. Se nós já sabemos que a Justiça é muitas vezes racista e quase sempre lenta, por que deveríamos confiar nela? Além disso, entrar com um processo implica gastos e um tempo de espera do qual a maior parte da população negra não dispõe. Finalmente, o fato de haver pouquíssimos casos em que alguém é condenado por racismo também desanima.

A questão de fazer a Justiça funcionar ou não nos casos de discriminação racial, além disso, nos desvia do problema principal: a de que o negro tem muito menos chances no mercado de trabalho por causa de sua pouca escolaridade. Por causa da herança do sistema escravista, que nos deixou a triste hierarquia racial – brancos no topo, não brancos embaixo -, aos negros foi historicamente dificultado o acesso a oportunidades de estudo e de trabalho. Por isso, não adianta colocar um patrão branco que discriminou o seu empregado negro na cadeia. Esse empregado continuará com baixa formação escolar – e os seus filhos também.

O que eu quero dizer é que a discriminação no mercado de trabalho não é um problema de polícia, mas um problema social. As leis que temos hoje para combater o racismo estão no código penal. A minha luta é para que nós coloquemos a questão racial também em programas sociais que diminuam a diferença de escolaridade, saúde, moradia e oportunidades entre brancos e não-brancos.

Se os negros brasileiros têm um analfabetismo sete vezes maior do que o branco, não é a polícia que vai resolver isso. Colocar um racista na cadeia é um bom sinal; proporcionar condições para formar uma geração de médicos, advogados, professores, políticos e engenheiros negros é um sinal muito, muito melhor.

Carlos Porto é secretário nacional de Combate ao Racismo do PT e candidato a vereador em Campo Grande (MS).

Fonte: PT Notícias, nº 94, setembro/outubro de 2000, p. 03. Acervo: CSBH/FPA.

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