Hédio da Silva Junior
Através do racismo, o Estado mantém os negros como subcidadãos subjugados: eles são maioria apenas nas favelas, nas cadeias e na base da pirâmide social.
– Companheiro Olívio Dutra, qual é a posição do PT no Centenário da Lei Áurea?
OLÍVIO DUTRA: O PT entende que a população negra – que aliás é maioria em nosso país – não tem o que comemorar no Centenário. Isto porque a lei assinada pela princesa Isabel foi a grande saída encontrada pela monarquia para manter sua base de dominação e, na prática, transformou milhões de escravos em despossuídos, marginalizados e discriminados.
Por outro lado, a Lei Áurea resultou do embate de vários interesses. Interesses de setores nacionais e inclusive estrangeiros. No entanto vale ressaltar que em 13 de maio de 1888 a maioria da população negra já não era mais escrava, graças às rebeldias negras que desorganizaram a produção escravista.
– Significa pois, que a Lei Áurea não possibilitou aos negros a conquista da cidadania?
OD: Exatamente. Não é preciso nenhum esforço para constatarmos que a população negra ocupa a base da hierarquia social. São discriminados no trabalho, na escola, são violentados pela polícia, pelos meios de comunicação e, veja bem, tudo isto peta ação direta ou com a conivência do Estado. O que demonstra claramente o interesse do Estado na manutenção do racismo.
– Mas a que serve o racismo?
OD: Veja, durante a escravidão o racismo servia justamente para legitimar a escravidão dos negros.
Hoje nós percebemos que ele continua servindo a interesses econômicos e políticos. Recentemente o Dieese constatou que, mesmo conseguindo emprego, os negros recebem salários bastante inferiores em relação aos trabalhadores brancos.
Os negros são a maioria dos analfabetos, são majoritários nas favelas etc.
De forma que é notório que, através do racismo, o Estado tem conseguido manter a população negra na condição de subcidadão subjugado.
– Mas há uma incoerência então entre o discurso e a prática do Estado?
OD: Esta é uma das grandes características do racismo brasileiro. Ao mesmo tempo em que a retórica oficial passa uma imagem do Brasil como se fôssemos uma democracia racial, diariamente as pessoas são estimuladas a discriminarem, inclusive não somente os negros, mas também a população indígena, as mulheres e outros setores. É a chamada democracia racial brasileira.
– Quais os efeitos desta farsa sobre a sociedade brasileira?
OD: Nós vemos que a ideologia da democracia racial foi montada para anestesiar zonas de conflito. Na prática, ela solapa a capacidade de organização dos negros.
Ora, o primeiro passo para se eliminar o racismo é justamente reconhecer a sua existência e a sua extensão. De maneira que é papel dos petistas desmascarar a falsa idéia da democracia racial.
De resto, devo dizer que as classes dominantes tentam passar a idéia de democracia racial como extensão de uma democracia econômica e política que não temos. Aliás, democracia, no Brasil, será fruto da ação organizada dos trabalhadores e dos oprimidos.
– Olívio, qual a avaliação do PT a respeito das iniciativas que o Estado vem tomando a propósito da questão racial?
OD: Em primeiro lugar, é preciso que se diga que o PT aposta na organização autônoma dos negros. Em segundo, que o Estado visa com estas iniciativas tutelar o movimento negro, cooptando algumas de suas lideranças para posições subalternas no aparelho do Estado. Por isso entendemos que os setores consequentes do movimento negro devem combater e desmascarar qualquer tentativa de manipulação do movimento negro pelo Estado.
– E o que o PT está fazendo no Centenário?
OD: Como já dissemos, o PT participa do Centenário com uma posição crítica e não festiva. Neste sentido, a Secretaria Nacional de Movimentos Populares criou um grupo de trabalho que está preparando uma série de atividades para este ano, as quais serão desenvolvidas juntamente com as diversas Comissões e Secretarias de Negros, organizadas nos Estados.
– Que atividades?
OD: Desde publicação de cartazes, cartilhas, até realização de Seminários, como por exemplo um Seminário Nacional que irá acontecer no Instituto Cajamar em São Paulo.
Com isso pretendemos desmascarar a falsa democracia racial e aprofundar o debate sobre a questão racial no interior do Partido e junto ao movimento sindical e popular. Cabe dizer, no entanto, que este esforço do PT se deve muito mais ao crescimento da organização dos negros petistas do que propriamente em função do Centenário.
– Fale um pouco sobre este crescimento.
OD: É perceptível que tem avançado o nível de atuação dos negros do PT. Ano passado, aqui em Brasília, foi realizado o 1° Encontro Nacional dos Negros do PT que deu um grande impulso organizacional.
Cada vez mais surgem Comissões de Negros, sendo que, inclusive, está marcado para setembro deste ano o 2.0 Encontro Nacional de Negros do PT.
– O que isto significa para o PT?
OD: Significa que estamos no caminho certo para a construção de um Brasil sem exploração e sem nenhum tipo de opressão. Significa que cada vez mais os trabalhadores avançam no sentido de articular suas diversas lutas. Aliás, temos o entendimento da necessidade de discutirmos, no interior da luta pelo socialismo, todas aquelas especificidades que atingem negros, mulheres, índios e outros. Até porque entendemos que o socialismo não será uma varinha de condão que dará cabo de todas as contradições.
Não podemos ser simplistas. Neste sentido, ao fortalecermos o combate ao racismo, por certo estamos fortalecendo a luta pelo socialismo.
Fonte: Boletim Nacional do PT, nº 35, maio de 1988, p. 10. Acervo: CSBH/FPA.