Trabalho e vida decente para as mulheres!
Por Rosane Silva
A ideia de Trabalho Decente foi construída nos marcos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e refere-se ao trabalho exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna aos trabalhadores e trabalhadoras. É um conceito que se afirma como amplo e que abarca muitas dimensões do mundo do trabalho. A CUT incorporou a luta pelo Trabalho Decente em sua agenda e pretende reforçar seus objetivos na luta constante para resgatar o valor social do trabalho e sua centralidade na promoção de vida digna.
Na perspectiva das mulheres, a ideia de um trabalho e vida decente deve principalmente incorporar a lógica do trabalho reprodutivo, aquele que inclui tarefas que são absolutamente indispensáveis para a estabilidade física e emocional de todos os membros do lar. O trabalho relacionado à esfera do privado e do lar em geral é pouco agradável, repetitivo e esgotador, mas, que sem ele o mundo não funciona.
O trabalho doméstico é um setor que tradicionalmente confere uma porta de entrada para inúmeras mulheres ao mercado de trabalho, especialmente para aquelas com baixo nível educacional e na América Latina tem forte presença em países como Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. De longe o Brasil é o maior empregador, segundo a OIT são 7,2 milhões de trabalhadoras domésticas – em que as mulheres negras correspondem a 59,6% – e é um dos setores mais marcados pela precariedade.
No caso das mulheres, devido à necessidade de articular o trabalho profissional com o doméstico, elas tendem a aceitar com maior frequência os empregos precários, cujas características são as jornadas em tempo parcial ou contratos temporários. Nas ocupações informais, o trabalho feminino acaba invisibilizado devido a sua realização em ambiente doméstico, fator que contribui para esconder a participação das mulheres na economia.
No Brasil, assim como em outros países da América Latina a entrada das mulheres no mercado de trabalho apresentou um aumento significativo a partir dos anos 1960. Enquanto o número de homens economicamente ativos aumentou de 80 para 146 milhões, entre 1960 e 1990, o número de mulheres mais que triplicou, saltando de 18 para 57 milhões.
No meio urbano – as mulheres representam mais de 40% da PEA urbana na América Latina. O aumento da presença de mulheres no mercado de trabalho veio acompanhado ainda do crescimento simultâneo do emprego vulnerável e precário das mulheres. Nesse contexto, a incorporação das mulheres ao mercado de trabalho não alterou as desigualdades salariais entre homens e mulheres e a divisão do trabalho doméstico.
A reestruturação produtiva, flexibilização da regulação do Estado sobre o trabalho, faz com que a partir dos anos 1990 a substituição do trabalho formal pelo informal tornasse um elemento constitutivo em nossa economia.A reestruturação produtiva, flexibilização da regulação do Estado sobre o trabalho, faz com que a partir dos anos 1990 a substituição do trabalho formal pelo informal tornasse um elemento constitutivo em nossa economia. Assim parece ser a tentativa de aprovação do Projeto de Lei 4330. Sob o argumento empresarial da “modernidade”, permite a terceirização da mão de obra integrada ao processo produtivo, institucionalizando uma forma de contratação que coloca os trabalhadores sem garantia de um ambiente de trabalho em condições adequadas de saúde e segurança, além de receberem os piores salários. Nas funções da produção em que se faz menos necessário a qualificação profissional é aonde são alocados funcionários terceirizados, com baixa escolaridade. Esse projeto formaliza a precarização das relações de trabalho e a fragmentação dos laços de solidariedade entre trabalhadores.
Ao mesmo tempo, assistimos um aumento na demanda por profissionais altamente qualificadas nas grandes metrópoles e assim algumas mulheres tiveram a possibilidade de preencher os postos de trabalho em cargos de gerência e comando em grandes corporações. O que é chamado como bipolarização do emprego feminino, enquanto há um aumento de mulheres executivas, em profissões intelectuais e profissões liberais, de outro lado, as ocupações tradicionalmente femininas continuam sendo exercidas por mulheres: profissionais da educação, saúde, no serviço público, e ligadas ao serviço doméstico e do cuidado.
A forte presença das mulheres no mercado de trabalho não significou o compartilhamento das tarefas domésticas com os homens, fazendo crescer a demanda por trabalhos precarizados referentes à reprodução social, ao cuidado de crianças e idosos e às tarefas dolar. Esse trabalho é transferido a outras mulheres: babás, faxineiras e cuidadoras de idosos. O resultado disso é a manutenção das desigualdades sociais entre homens e mulheres e entre as próprias mulheres, e que não pode ser explicada se não recorrermos à dimensão extratrabalho, principalmente à relação entre homens e mulheres no universo doméstico.
Essa realidade exige que incorporemos as relações de poder entre homens e mulheres não apenas nas empresas, mas na família e na sociedade como um todo. Ainda estão colocadas muitas barreiras para as mulheres no mercado de trabalho em termos de igualdade de remuneração e a superação da segmentação de gênero nas ocupações, além da repartição desigual entre homens e mulheres nas atividades domésticas.
No 7 de Outubro, Dia Mundial do Trabalho Decente, reafirmamos a nossa luta por serviços públicos de qualidade que garantam a repartição das responsabilidades e cuidado com a vida humana entre homens, mulheres e Estado:
– Oferta de creches públicas, de qualidade e em tempo integral
– Políticas para garantir igualdade salarial para trabalhos de igual valor
– Manutenção da política de valorização do salário mínimo
– Garantir licença maternidade e ampliação da licença paternidade
– Redução da jornada de trabalho sem redução de salário
Rosane Silva, secretária nacional da Mulher Trabalhadora e Rosana Sousa, diretora executiva
Referências:
ABRAMO, Laís; VALENZUELA, María Elena. “Inserción laboral y brechas de equidad de género en América Latina”. In: Trabajo decente y equidad de género en América Latina. ABRAMO, Laís (org.) Oficina Internacional del Trabajo, OIT,Santiago, 2006, p. 29-62.
ABRAMO, Laís . “A situação da mulher latino-americana – o mercado de trabalho no contexto de reestruturação”. In: Mulher e trabalho experiências de ação afirmativa. Boitempo Editorial, São Paulo, 2000, p.76-93.
HIRATA, Helena. “Reestruturação produtiva, trabalho e relações de gênero”. Revista Latinoamericana de Estudos del Trabajo, ano 4, nº 7, 2008, p. 5-27.
HIRATA, Helena (2009). “A Precarização e a Divisão Internacional e Sexual do Trabalho”. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 11, nº21, p 24-41.
LEONE, Eugenia Troncoso. “O perfil dos trabalhadores e trabalhadoras na economia informal”. Escritório da OIT no Brasil. – Brasília, OIT, 2010.