Mudança do sistema e agricultura familiar: Stédile apresenta visão do MST em aula aberta

João Pedro Stédile é uma das lideranças nacionais mais importantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Economista, além de entender muito sobre política agrária, também construiu uma sólida formação sobre a constituição do Brasil enquanto nação e sobre os caminhos trilhados até os dias de hoje.
Na noite do dia 17 de junho, no auditório da Fundação Perseu Abramo, Stédile participou de aula aberta do curso de extensão Desenvolvimento, Trabalho e Políticas Públicas, uma parceria entre a Fundação Perseu Abramo e a Universidade de Campinas (Unicamp), com o tema “Desenvolvimento, política agrária e agricultura familiar”.
As aulas desta parceria FPA/Unicamp são online e algumas delas são híbridas, parte destas ocorre na Unicamp e outras na sede da FPA. Stédile contou aos alunos e alunas que acompanhavam pela plataforma Zoom, pelo Youtube ou presencialmente quais são as apostas do MST na formação. O objetivo não se restringe aos seus quadros e dirigentes, o ponto principal é criar no meio acadêmico especialistas que realmente entendam a realidade agrária.
Para Stédile, “há vinte anos era muito pior, mas faltam professores com especialização na questão agrária. Temos projetos e parcerias com mais de cinquenta universidades públicas, mestrado com a Unesp, parcerias para cursos técnicos. Sentimos falta de linguagem apropriada e de formulação acadêmica sobre o tema”, lamentou.
Ele apontou também que a área do conhecimento científico precisa estudar e compreender o “uso, a posse e as propriedades da terra” e que “desenvolvimento da questão agrária depende do modo de produção da sociedade. Para estudar a questão agrária precisamos estudar Sociologia, Agronomia, História e Estatística porque temos que olhar para as condições da sociedade brasileira”.
Stédile ainda fez um apanhado histórico desde antes da ocupação humana em nosso continente abordando aspectos como ocupação humana e a natureza, o comunismo primitivo, o capitalismo mercantil, a divisão de terras a partir do sistema plantation, o escravismo colonial, até chegar aos dias de hoje, com o neoliberalismo operando em conjunto com o agronegócio.
Como sua formação é baseada em muita pesquisa e estudo, citou alguns livros, considerados por ele fundamentais para a formação de quem quer discutir os rumos do país e as escolhas que podemos fazer. O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, e O escravismo colonial, de Jacob Gorender, editado pela FPA (disponível aqui) foram apresentadas como leituras fundamentais para discutir e modificar a estrutura agrária do país.
Do comunismo primitivo até chegar à revolução industrial e o período de industrialização do Brasil, Stédile foi elencando como se deu a exploração da mão de obra camponesa, da escravização vergonhosa, as formas de “dominação do agronegócio atrasado, os grandes latifúndios que se apropriam da natureza para gerar acumulação de lucro”, além dos desastres anunciados, como o uso de agrotóxicos que não só envenenam a comida, mas também o solo, as águas e até o ar.
O MST acredita e luta por isso desde sua fundação, há mais de quarenta anos, que a prioridade é ocupar a terra, lutar por comida sem veneno e respeito ao meio ambiente e para isso, a agricultura familiar precisa ser o centro da mudança de rota.
A aula abordou a relação entre o modelo de desenvolvimento adotado no Brasil, a estrutura fundiária e as políticas agrárias, destacando os conflitos e desafios históricos no campo. Stédile apresentou alternativas populares à concentração de terras, com ênfase na reforma agrária e na valorização da agricultura familiar, as tendências do capital, especialmente do capital financeiro sobre a agricultura, e o impacto dessas dinâmicas na soberania alimentar e no futuro do campo brasileiro.
O público se manifestou por meio de perguntas que abordaram temas como crédito fundiário, números de assentamentos, faturamento das empresas agrícolas, comunicação e formação.
João Pedro Stédile defendeu um novo modelo de produção agrícola familiar para alterar o sistema e também para salvar o planeta: “750 mil pessoas já morreram nessa década de calor. Se não reflorestar o ser humano irá desaparecer. Temos que disputar um novo modelo, fazer nossa juventude estudar. O MST tem a preocupação com a formação e educação. Nossa luta é pela reforma agrária mas é também pela democratização do conhecimento”.
Assista a íntegra da aula: