Por Carlos des Essarts Hetzel

No que tange a responsabilidade, ao dever do Estado em agir para garantir o direito do cidadão aos serviços públicos, sua atuação se dará no domínio econômico. Neste contexto, existem dois modelos de atuação estatal: o Estado regulador e o Estado executor.

Como Estado regulador, atua basicamente elaborando normas, reprimindo o abuso do poder econômico, interferindo na iniciativa privada, regulando preços, controlando abastecimento.

Neste plano, o Estado atua no domínio econômico de forma direta, e, de fato, como regulador; sendo responsável pelo funcionamento de mecanismos de prevenção, e de normas de repressão às práticas que por ventura possam vir a macular a harmonia social.

Como Estado Executor teria legitimação para atuar indiretamente numa esfera que compete, à priori, à iniciativa privada. Sua finalidade prática é a de evitar e coibir práticas que derivem ou incidam no abuso de poder econômico, como, por exemplo, práticas que tenham por fim a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência, ou o aumento arbitrário dos lucros e quando a ação do Estado Regulador não conseguir modificar o estado danoso à sociedade.

O legislador constituinte permitiu a existência de um Estado Executor, somente no caso previsto taxativamente no Art. 173 da Carta Magna.

Art. 173Ressalvados os casos previstos nesta constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos impeditivos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.

Como poderemos verificar ao longo desta exposição, os pressupostos de “Segurança Nacional e Relevante Interesse Coletivo” estarão presentes justificando o dever – poder do Estado como ente Executor.

Em seu Art. 170, definiu claramente a não intenção de ser um Estado Empresário somente no sentido de visar o lucro, mas, fundamentalmente, no sentido de regrar determinados setores e/ou sanar possíveis distorções, de acordo com o que seja mais benéfico para o interesse coletivo. Definiu também como princípio, em seu inciso V, a “Defesa do Consumidor”.

No mesmo sentido, o inciso XXXII do Art. 5° da CF/88 é taxativa “O Estado promoverá a defesa do consumidor na forma da lei”.
Benjamim (2008, p. 172) diz que:

São serviços públicos sujeito ao CDC tanto os referidos pelo Art. 173 como aqueles indicados no Art. 175 da CF, pois nos dois casos são atividades desenvolvidas no mercado de consumo. Estão sob a disciplina do CDC, portanto, os serviços de telefonia, transporte coletivo, energia elétrica, água, por atenderem aos pressupostos indicados, independentemente, destaque-se, da natureza tributária da remuneração.

Lei 8078/1990, Código de Defesa do Consumidor – CDC;

Art. 22
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Art. 23
A ignorância do fornecedor sobre o vício da qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.

Na lei 8.987/95, em seu art. 6º podemos encontrar a definição do princípio de “serviços adequados”:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

São eles:
Princípio da regularidade: manutenção da qualidade do serviço.
Princípio da eficiência: quanto aos meios e resultados
Princípio da continuidade: art. 6º , § 3º , Lei 8.987 /95.
Princípio da generalidade: o serviço público deve ser prestado erga omnes.
Princípio da atualidade: de acordo com o estado da técnica, ou seja, de acordo com as técnicas mais atuais.
Princípio da segurança: o serviço público não pode colocar em risco a vida dos administrados, os administrados não podem ter sua segurança comprometida pelos serviços públicos.
Princípio da modicidade: serviço público deve se prestado da forma mais barata possível, de acordo com a tarifa mínima.
Princípio da cortesia: os serviços públicos devem ser prestados de forma urbana.

Pela Constituição Federal como regra geral, a administração direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, bem como suas Autarquias, Fundações Públicas, Agências reguladoras, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista deve atender aos princípios  do seu art. 37:

Princípios do artigo 37 da CF:
Moralidade;
Impessoalidade;
Legalidade
Publicidade
Eficiência

Princípio da Moralidade: A Administração deve atuar com moralidade, isto é de acordo com a lei.

Princípio da Impessoalidade: a administração deve manter-se numa posição de neutralidade em relação aos administrados, ficando proibida de estabelecer discriminações gratuitas.

Princípio da Legalidade: é fundamento do Estado democrático de direito. É um limite a atuação do Poder Público, visto que este só poderá atuar com base na lei, mas também é uma garantia aos administrados, pois deverão cumprir as exigências do Estado se estas estiverem previstas na lei.

Princípio da Publicidade: é a comunicação pública de todos os seus atos, mantendo a transparência de ação.

Princípio da Eficiência: é a procura constante pelo melhor serviço, preço e atendimento aos interesses republicanos.

Em sincronismo com o exposto, segue recurso especial do STJ, RESP 888.288, Rel. Min. Castro Meira, DJ 26.04.2007, pág. 238,

[….]A preocupação com o administrado-cliente é ostensivamente imposta pelo ordenamento jurídico brasileiro, encontrando amparo inclusive no Texto Constitucional. Além de ser preceito-guia da ordem econômica, a proteção ao consumidor é detalhada em legislação específica, que impõe, dentre outros direitos, seja o consumidor plenamente esclarecido quanto aos preços dos serviços que adquire. No campo da Administração Pública, particularmente, enfatiza-se a necessidade de participação do usuário no acompanhamento da prestação dos serviços públicos de que é destinatário. A previsão de execução de serviços públicos por terceiros que não o ente estatal, viabilizada através das concessões e permissões, é acompanhada de determinação legal no sentido de que aos usuários seja garantido serviço adequado, conceituado, pelo próprio legislador, como o que se executa em respeito aos princípios da generalidade (serviço para todos), da continuidade (serviço perene), da eficiência (serviço qualitativa e quantitativamente ótimo), da cortesia (serviço humanizado) e da modicidade (serviço pelo qual se cobram preços razoáveis). [….]

Como podemos verificar o serviço público prestado direta ou indiretamente pelo Estado ao cidadão, tem sua relação regida pela lei consumerista, logo enquadrando o usuário (administrado/cliente) como consumidor e o prestador de serviço como fornecedor.

Nesta medida podemos afirmar que os órgãos públicos assim como suas empresas, concessionárias ou permissionárias, são obrigados por força de lei a fornecer os serviços essenciais com generalidade (universalidade), continuidade (confiabilidade), eficiência, modicidade (preços acessíveis ao público) e cortesia (excelência no atendimento).

Para um melhor entendimento, discorremos com outras definições:
A generalidade; o serviço público deve ser prestado erga omnes. É a tradução exata da universalização pois deverá ser prestada  em função do interesse público, do interesse coletivo. Tal serviço deve ser impessoal e atender ao maior número de usuários possível, devendo ser a todos acessível.

A continuidade do serviço; indiscutivelmente o mais desrespeitado na prestação dos serviços públicos essenciais, constitui-se no somatório da confiabilidade e disponibilidade do serviço. Merece um melhor tratamento pelos gestores públicos, já que constitui-se na verdadeira razão de ser do serviço público.

Para Mello (2001, p. 112)
[  ]uma vez que a administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impões e prevalece em quaisquer circunstâncias.

A eficiência; o prestador do serviço público deve sempre buscar o aperfeiçoamento do serviço, incorporando os melhores recursos e técnicas possíveis, sob pena de defasagem na prestação.

Para o Direito, a eficiência assume caracterização inexoravelmente particular.

A eficiência para o tecnocrata tem sentido mais restrito que a eficiência juspolítica: para aquele, basta o atingimento ótimo dos objetivos a que imediatamente se propõe o agir do Estado. Para o Direito e para a Política a eficiência tem mais duas dimensões: a legalidade – conformar-se externamente à lei – e a legitimidade – atender ao interesse público. (GABARDO, 2002, p. 91)

A modicidade; significa que o serviço público deve ser prestado através de uma retribuição pecuniária acessível à população (sendo vedado o locupletamento), através de taxa, tarifa ou preço público.

A cortesia; corresponde ao atendimento público de forma ágil, civilizada, urbana, educada. Veja-se que o consumidor é o destinatário final do serviço, não podendo ser discriminado ou desrespeitado. Toda a sua reclamação ou pedido de informação deve ser respondido em menor tempo possível e com clareza.

Inspirado na Doutrina Francesa do Direito Administrativo, Mello (2001) ainda defende os princípios básicos para a formação do conceito e do regime jurídico dos serviços públicos a serem prestados pelo estado são:

a) Princípio da obrigatoriedade do Estado de prestar o serviço público: é um encargo inescusável que deve ser prestado pelo Poder Público de forma direta ou indireta. A Administração Pública responderá pelo dano causado em decorrência de sua omissão.
b) Princípio da supremacia do interesse público: os serviços devem atender as necessidades da coletividade.
c) Princípio da adaptabilidade: o Estado dever adequar os serviços públicos à modernização e atualização das necessidades dos administrados.
d) Princípio da universalidade: os serviços devem estar disponíveis a todos.
e) Princípio da impessoalidade: não pode haver discriminação entre os usuários.
f) Princípio da Continuidade: os serviços não devem ser suspensos ou interrompidos afetando o direito dos usuários.
g) Princípio da Transparência: trazer ao conhecimento público e geral dos administrados a forma como o serviço foi prestados, os gastos e a disponibilidade de atendimento.
h) Princípio da motivação: o Estado tem que fundamentar as decisões referentes aos serviços públicos.
i) Princípio da modicidade das tarifas: as tarifas devem ser cobradas em valores que facilitem o acesso ao serviço posto a disposição do usuário.
j) Princípio do Controle: deve haver um controle rígido e eficaz sobre a correta prestação dos serviços públicos.

Conclusão
Verificamos com o exposto, que o Estado tem o dever/poder, baseado nos princípios legais, de atender ao universo da população brasileira na prestação dos serviços públicos, principalmente os essenciais.

Neste contexto, acreditamos que a reativação da Telebrás como uma verdadeira prestadora de serviços telemáticos, serviria como contraponto às empresas privadas em operação no Brasil, quebrando o monopólio (privado) ora existente, ajudando e forçando a verdadeira concorrência neste rico e imprescindível mercado.

Carlos des Essarts Hetzel é jurista/Tecnólogo, assessor do Núcleo de Infraestrutura e CCTICI
Gabinete da Liderança do PT e Bloco de Apoio do Senado Federal