Pela vida das mulheres: legalizar o aborto!
Por Rosane Silva
Durante o ano de 2013, saímos às ruas inúmeras vezes em luta para garantir e preservar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Levantamos nossas vozes contra o avanço do Estatuto do Nascituro, e para que a presidenta Dilma sancionasse a lei que garante o atendimento pelos equipamentos públicos de saúde às mulheres vítimas da violência sexual. A defesa da legalização e discriminalização do aborto é o centro dessa luta, sabemos que qualquer retrocesso tem implicância direta na vida das mulheres.
No 28 de setembro, Dia de Luta pela Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, devemos denunciar os alarmantes dados sobre aborto no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto publicada em 2010 [¹], 15% das mulheres entrevistadas declararam ter realizado o aborto alguma vez na vida, essa proporção cresce com a idade, revelando o quanto a prática do aborto é comum na vida reprodutiva de muitas mulheres, principalmente daquelas com baixa escolaridade. Independentemente da religião das mulheres entrevistadas os dados não se alteram. A pesquisa conclui que ao final de sua vida reprodutiva, mais de um quinto das mulheres no Brasil realizaram aborto. Na pesquisa, metade das mulheres declarou ter feito aborto sem recorrer a medicamentos, colocando-as numa situação de abortamento muito precária.
Em nosso país, os níveis de internação por complicações relacionadas ao aborto ainda são elevados, algo que poderia ser evitado se os Serviços Públicos de Saúde garantissem o aborto seguro e gratuito para todas as mulheres. Em 2004, foram internadas 243.988 mulheres no SUS para fazer a curetagem pós- aborto, segundo o Portal da Saúde do governo federal.
A criminalização do aborto cerceia a liberdade de todas as mulheres, mas penaliza sobretudo as mais pobres que realizam abortos em condições precárias e colocam sua vida em risco. Por isso, o aborto não é um problema individual, mas de todas as mulheres.
Em 1991, no IV Congresso Nacional, a CUT aprovou a luta pela discriminalização e legalização do aborto. Lutamos por mudanças sociais, um novo projeto de sociedade, e o direito ao aborto é parte das reivindicações para que as mulheres tenham autonomia sobre sua vida e seu corpo. O Estado brasileiro é laico, portanto nenhum dogma religioso deve interferir na formulação de leis e políticas públicas.
Em nossa região, a experiência recente do Uruguai pode nos dar mais elementos para fortalecer nossa luta. Desde sua descriminalização em outubro de 2012 não houve nenhuma morte materna por consequência do aborto, e o número de gravidez interrompidas, segundo dados divulgados na Revista Fórum, caiu de 33 mil ao ano para 4 mil [²]. Para implentar a descriminalização do aborto o Uruguai colocou em prática uma série de políticas que incluem atendimento integral na área de saúde sexual e reprodutiva, assim como educação sexual e de uso de métodos contraceptivos.
Numa sociedade marcada pela desigualdade entre homens e mulheres, a prática da sexualidade acaba sendo um campo que também reflete essas diferenças. A relação entre o patriarcado e capitalismo interfere na maneira como as mulheres exercem sua sexualidade, a partir da imposição de um padrão heteronormativo e de feminilidade para a dedicação a família, mulheres sem vontade e o desejo destinado à maternidade.
A proposta escandalosa do Estatuto do Nascituro revela que nossos corpos tornam-se um espaço de disputa política na reafirmação dos valores machistas e misóginos, ignorando a violência contra a mulher e legitimando o crime do estupro, além de propor retirar o direito de aborto nos casos já previstos em lei.
Nós, mulheres cutistas, não pactuaremos com as movimentações retrógradas em relação ao controle dos nossos corpos e nossas vidas, pois a cada dois dias em que o aborto continua ilegal em nosso país uma mulher morre devido às condições de abortamento inseguro. Reafirmamos que é dever do Estado garantir as condições de abortamento seguro, legal e gratuito para todas as mulheres. Defendemos o livre exercício da sexualidade, com liberdade, respeito e responsabilidade, sejam as mulheres casadas, lésbicas ou solteiras.
Nesse 28 de setembro, estamos nas ruas para afirmar que a maternidade não deve ser uma imposição, mas uma livre escolha das mulheres, para que possam organizar sua vida da maneira que quiserem.
Rosane Silva é secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
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[1] DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo (2010). “Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna”. Revista Ciência e Saúde Coletiva 15, (Supl.1) 959-966, 2010.
[2] Fonte Revista Fórum: http://revistaforum.com.br/blog/2013/09/clandestinas/
Originalmente publicado no portal da CUT