Vamos ser francos, toda esta geração de dirigentes do PT, começando por Lula, jamais será perdoada por ter ousado governar o Brasil

“Pra lhe dizer que isso é pecado

Eu trago o peito tão marcado

De lembranças do passado

E você sabe a razão

Vou colecionar mais um soneto

Outro retrato em branco e preto

A maltratar meu coração”

(Retrato em Branco e Preto – Chico Buarque)

 

Estive no velório de Luiz Gushiken e revi aqueles velhos quadros da esquerda brasileira, em especial do PT, ali estava reunida a mais importante e vitoriosa geração de militantes, boa parte forjada na ditadura, que foi decisiva na reconstrução do movimento sindical, social e político brasileiro, nos anos de chumbo. Aquele ousado grupo construiu oposições sindicais, venceu sindicatos, fundou a CUT, o PT, teve participação decisiva no processo de redemocratização do Brasil. Durante a Constituinte, mesmo em ínfima minoria, trouxe os trabalhadores para o centro dos debates e incluiu pontos fundamentais na Constituição. Estes quadros temperados na luta chegaram à Presidência com um dos seus melhores quadros, Lula, o primeiro presidente vindo do povão sofrido e trabalhador.

Bem, vamos ser francos, toda esta geração de dirigentes do PT, começando por Lula, jamais será perdoada por ter ousado governar o Brasil. Suas vidas seriam e serão escrutinadas para sempre, o pecado de ter desafiado o poder tradicional não será engolido. Nisto se insere a questão do “mensalão”. Sem minimizar os fatos ocorridos, o PT aceitou o jogo eleitoral como ele é, com caixa dois, sobras de campanhas e montagem de base parlamentar, senão não se ganha eleições e principalmente, não se governa. Usou-se as armas para se vencer e governar, nada diferente dos outros 100% governos eleitos em qualquer época.

Sem entender estas questões vamos fica eternamente na condenação moral, jamais chegaremos ao essencial, que é mudar a lógica de se fazer política no Brasil, mas não apenas aqui, é uma lógica do Kapital, que se reflete em todas as eleições no mundo, quer seja aqui, nas eleições dos EUA ou agora na Alemanha de Merkel. Desprezar estes dados, em verdade, é abandonar a arena política, assim como fizeram os “indignados” espanhóis e entregaram o governo à Direita com uma maioria esmagadora, que mesmo com um governo fraco, corrupto, entreguista e de desmonte do Estado de bem-estar social permanece no poder. As lutas se dão em todas as cenas, não somos nós que escolhemos o cenário, muito menos as armas.

Olhei aquela cena, no cemitério, um momento de solidariedade, reencontro, mas de profundo pesar, notei que os principais quadros estão não apenas envelhecidos, mas destruídos fisicamente, de forma assustadora, a pressão, o isolamento político, o cerco diário midiático, a forma covarde de atacar a vida pessoal, a história de vida, parece que vai vencendo lenta e letalmente os quadros, que mesmo experimentados, a energia já não é a mesma. O gosto pelo assassinato de reputações não lhes dará chances de defesa, quem sabe daqui a 49 anos a “Globo” pedirá desculpas ao Lula e aos seus companheiros.

O diálogo com esta nova geração que surge é truncado, poucos compreendem as razões políticas e ideológicas ou as opções de luta e vida que os velhos quadros tiveram, alguns preferem reduzir as questões a um moralismo tolo, muito próximo do que sai nos jornais e revistas vinculados ao grande Kapital. Há aqueles que foram construir pequenos partidos, radicalizados na forma, mas conservadores no conteúdo. Pouco ou nada de novo, diferente, se conseguiu de alternativo fora da experiência do PT. Esta é a realidade. Por fim, surgem os liquidacionistas internos, que enxergam, em toda crise, a necessidade de “refundações”, velha e única tática das lições da esquerda europeia, que levou ao fim os grandes partidos de esquerda na Europa, hoje não passando de aglomerados ou “movimentos”.

O que nos aguarda não será nada fácil, os destinos da esquerda brasileira vão bem mais além da decisão do STF, pois esta é mera formalidade. Para aqueles que condenaram estes quadros de nada adianta argumentar, não se darão o direito de pensar diferente do que já pensam, nisto a direita usou com eficiência todo seu poder (mídia e Judiciário) para criar o clima de condenação e linchamento prévio. Qualquer questão técnica jurídica será vista apenas como manobra, para evitar condenação, prisão e espetáculo televisivo. Chegamos ao absurdo de um ministro do STF, Marco Aurélio Mello, pedir manifestações (seriam os “black blocs”?) na frente da Suprema Corte, para pressionar seu colega a votar contra a apelação dos condenados. Refresquemos a memória, este mesmo Marco Aurélio deu habeas corpus a tipos como Cacciolla, o banqueiro amigo que deu um desfalque de 1,5 bilhões de dólares, algo como cinquenta “mensalões”. Nem lembrou, portanto, o “clamor das ruas”, como covardemente apela agora.

A questão que se impõe, para a militância, é mais uma vez derrotá-los nas urnas e seguir em frente, reconstruir as pontes e formar novos quadros, respeitando os velhos, aceitando seus erros e acertos, porque a vida é bem mais complexa do que pensamos.

Arnóbio Rocha é técnico em telecomunicaçõe e advogado, autor do livro “Crise 2.0 – A Taxa de Lucro Reloaded”

Publicado originalmente no blog do autor: arnobiorocha.com.br