Rádio Digital: definição tecnológica com soberania
Por Carlos des Essarts Hetzel
Após a definição pelo Ministério das Comunicações, da nova tecnologia para a TV Digital Brasileira, chegou a hora, ou melhor, já passou da hora de definirmos o padrão de tecnologia digital para o sistema radiofônico brasileiro.
Com um potencial enorme de ouvintes, onde 87% dos lares brasileiros possuem aparelhos de rádio e que 97% do tempo dedicado ao trabalho principalmente o doméstico, utiliza este meio de informação como companhia, não podemos deixar passar o momento certo para uma definição tecnológica democrática e soberana.
Precisamos de uma tecnologia onde os diversos tipos de transmissão ora existentes sejam contempladas.
Não podemos e nem devemos abrir mão das rádios em OT (Ondas Tropicais), OM (Ondas Médias) e OC (Ondas Curtas), pois somos um país de dimensões continentais com municípios em regiões isoladas, ilhas e em selva.
Transformar este universo de rádios em SISTEMAS DIGITAIS FM, é ferir de morte a riqueza deste setor bem como desasistir uma enorme camada social deste país.
Precisamos retirar todo proveito desta nova realidade tecnológica, incluindo facilidades e aplicações para todos os segmentos da sociedade, civil ou militar.
Uma vez “virada à chave” não haverá mais volta.
A opção por um sistema tecnológico errado resultará em atraso no desenvolvimento científico, gastos duplos de investimento e consequências políticas imprevisíveis.
Somos um país respeitado mundialmente pela expertise tecnológica, exemplos dados pela capacidade humana, operacional e de implantação do grupo Telebrás, bem como pelos centros de pesquisas a exemplo do CPQD, EMBRAPA, INPE, CBPF, etc. etc.
Nossa definição se irradiará para toda a América Latina, como diretriz a ser seguida. Temos uma imensa responsabilidade com nossa cidadania e com nossos irmãos Sul Americanos.
O fortalecimento da nossa democracia se dará através da “Democratização dos meios de comunicação” que somado à realidade da convergência tecnológica se torna umbilicalmente ligada aos padrões de digitalização do setor.
Considerações técnicas da digitalização do sistema de rádio
Para a região Amazônica, para o interior distante do país, principalmente do Nordeste e Centro Oeste, as rádios em Ondas Médias (OM) com média e alta potência e as Ondas Tropicais – OT com amplitude modulada – AM, são imprescindíveis e muitas vezes únicos como meio de informação e entretimento, mesmo com todos os problemas técnicos de batimentos e ruídos existentes.
Com o evento da digitalização, estes problemas técnicos, próprios do sistema analógico desaparecem, traduzindo-se em melhoria sonora.
Os últimos testes de campo feitos no Brasil com transmissão de rádio digital são impressionantes e comprobatórios; é excelente e de alta desempenho a relação sinal – ruído, S/N, do sistema digital, seja com amplitude modulada –AM ou frequência modulada – FM.
Na área militar, a Marinha que necessita transmitir em baixa frequência devido à necessidade de propagação na água, com a digitalização, cria-se condições para aproveitamento dos diversos serviços de interesses públicos.
Na Europa, a marinha utiliza para transmissão de previsão de tempo e de vários outros dados abertos, como também utilizem dados de informações internas criptografados.
Conforme informações divulgadas na imprensa especializada;
O exército e a polícia russa estão interessados no transporte de dados pelo sistema radiofônico digital, pois dados e fotos podem ser enviadas em segundos para qualquer canto do país, não importa a distância, para alertar as polícias locais de ações criminosas. Isso via ondas curtas.
A marinha alemã já está utilizando para transporte de dados para os seus navios. Austrália está testando para fornecer dados de previsão do tempo para sua marinha e todos os navios nas suas águas nacionais e fora delas também.
A versão digital NAVETX ou NAVDAT, foi homologada pela UIT para a OMI, Organização Marítima Internacional, que rege as comunicações marítimas e fluviais, civis ou militares, como o sistema de radiodifusão oficial.
Através da digitalização, a firma francesa KENTA reabilita a banda de 500 khz, historicamente dedicada ao uso das comunicações marítimas, abandonada em 1967, adaptando-a assim às necessidades e desafios da navegação.
A tecnologia NAVDAT incrementa o fluxo de informações enviadas, incluindo data, texto, imagens, assim como a codificação de segurança (Scrambling).
A utilização da banda de radio frequência OM, ondas médias, é devido a sua ótima propagação, garantia de recepção em qualquer ambiente, inclusive móvel e ao seu baixo custo.
“Os recursos e possibilidade do Broadcast Hertziano são bem conhecidos”. Aliado ao NAVDAT (rádio digital OM) na Faixa de 500 kHz é uma ferramenta imprescindível na gestão das costas (200 milhas), rios e fronteiras, incluindo a segurança em todos os seus sentidos, além de responder às recomendações mandatórias das organizações internacionais.
“Por exemplo, o monitoramento das naves, a observação de fenômenos climáticos ou ecológicos, alertas emergenciais, mensagens codificadas, broadcast ou ponto a ponto”.
Neste sentido, precisamos de uma plataforma de radiodifusão digital que otimize o uso do espectro de frequência, um bem público e finito, bem como atenda a convergência tecnológica em andamento no país.
Devemos para isto considerar uma tecnologia que possa interagir com o GINGA nacional da TV digital e de evoluções que possam ser aplicadas de acordo com as necessidades das comunidades.
Como elemento destas necessidades, podemos citar as RADCOM, rádios comunitárias e o futuro sistema de canais de TV Pública e Comunitária que integrarão o Canal da Cidadania, onde poderão oferecer á população serviços como educação à distância, informação multimídia, soluções de geolocalização, alertas de emergência como desastres climáticos, pessoas desaparecidas e quaisquer outros fins comunitários e comunicacionais a serem pensados no aplicativo interativo.
Outro aspecto de extrema relevância é o compartilhamento da frequência em um ambiente transitório de rádio analógico e digital, evitando-se interferências e batimentos, ou seja, transmissão e recepção radiofônica sem nenhuma interferência destrutiva entre emissoras.
Devemos considerar que atualmente no país temos em torno de 7000 emissoras de rádio operando em “baixa potência”.
Neste universo de possibilidades e necessidades da radiodifusão brasileira, devemos considerar que a tecnologia de codificação e modulação deve funcionar como um padrão aberto, permitindo agregar tecnologias de desenvolvimento nacional sem pagamento de royalties.
Permitir a entrada de novos atores com inovações tecnológicas nacionais possibilitaria que codificadores e moduladores fossem disponibilizados no mercado brasileiro com baixo custo, possibilitando preços acessíveis às emissoras públicas, comerciais e às rádios comunitárias.
O pagamento de royalties quando existir deve ser único, evitando-se cobrança em toda a cadeia industrial e/ou comercial.
Não podemos cometer o erro estratégico de optarmos pela implantação de um sistema de propriedade estrangeiras e fechadas.
A opção por novas tecnologias para o Brasil deve ser tratada como um vetor vital, garantidor de nossa soberania e cidadania, que neste caso da radiodifusão, poderá se traduzir no acesso à verdadeira liberdade de expressão, com pluralidade cultural e de opiniões.
Devemos considerar a premissa fundamental de industrializar equipamentos e não simplesmente de aquisição. Com uma fábrica de transmissores para o sistema radiofônico digital, com sede em Porto Alegre, utilizando tecnologia nacional, o Brasil está se consolidando muito bem no mercado internacional.
Em reportagem publicada em 31/10/2012 sobre o Futuro da Rádio Digital na Europa, no Brasil e no Mundo, o Sr. Christer Hederstrom do Fórum Europeu da Mídia Comunitária (CMFE) declara que:
No caso do Brasil eles realmente poderiam ficar na frente desse desenvolvimento digital. Poderiam ser os melhores produtores dos equipamentos escolhendo o padrão mais cedo ou juntos com os outros países de grupo BRIC (Brasil, Índia, Rússia, China) e África de Sul. Isso significaria realmente uma independência de decisão no futuro e acabaria com a velha configuração entre Norte e Sul. E não se pode esquecer que do EUA, não chegou nenhuma notícia sobre rádios comunitárias com a tecnologia por eles escolhidas (A entrevista foi realizada por Nils Brock).
O Sistema de Rádio Digital tem dimensão social e tecnológica transnacional e se faz necessário um diálogo constante com a iniciativa de outros países interessados na criação de um ambiente democrático, aberto, plural e participativo e que considere TODOS os atores da radiodifusão visando objetivamente o bem estar da sociedade global.
Carlos des Essarts Hetzel é jurista e tecnólogo, da Liderança do PT – Senado Federal