Paulo Schilling
No momento em que se comemoram os vinte anos da anistia que assegurou a liberdade, o retorno do exílio e o restabelecimento dos direitos políticos aos perseguidos pela ditadura militar, nos permitimos algumas considerações.
Exilado, com toda a família (minha mulher, Inge – uma verdadeira mãe coragem- , as filhas Cláudia, Flávia, Valéria e Andrea) inicialmente no Uruguai e posteriormente na Argentina, durante 15 anos acompanhávamos permanentemente o que acontecia no Brasil. As 15 horas, hora de chegada dos jornais brasileiros, era a mais importante do dia. Sofríamos com as vítimas da repressão e nos alegrávamos com os eventuais sucessos populares. E tratávamos, dentro de nossas limitadas possibilidades, de divulgar as denúncias que nos chegavam clandestinamente sobre as torturas e as violações de direitos humanos, através de divulgação na mídia e, especialmente, escrevendo artigos para a Agencia de Notícias cubana "Prensa Latina", que as distribuía em dezenas de países.
A situação de exílio deteriorou-se drasticamente quando os militares uruguaios, argentinos e chilenos resolveram emular seus colegas brasileiros, liquidando com a democracia vigente em seus países. E ainda mais quando da institucionalização da chamada "Operação Condor", a regionalização da repressão. Do ponto de vista familiar, a situação tornou-se mais dramática com a prisão e com o ferimento quase mortal de Flávia, em razão de sua militância tupamara. Com minha expulsão, e a de Inge, do Uruguai, a família ficou dividida. Cláudia ficou em Montevidéu, dando assistência à Flávia.
Vitoriosa, a campanha pela anistia abriu as fronteiras para o retorno de todos, menos o de Flávia, condenada a 10 anos de prisão. A luta por sua libertação intensificou-se à medida em que os demais exilados voltavam. Foi tão grande a mobilização popular que o governo Figueiredo passou a pressionar o uruguaio, exigindo a libertação. A pressão verificava-se inclusive dentro do Uruguai, onde dezenas de jornalistas brasileiros aguardavam a promulgação da "Lei Flávia Schilling" (como eles denominavam a esperada anistia da tupamara brasileira).
Depois de muita resistência uruguaia e de renovadas pressões brasileiras, o impasse (que havia se transformado em um incidente diplomático), a ditadura uruguaia teve de ceder. Para disfarçar a capitulação, decretaram a libertação e a expulsão de todos os militantes estrangeiros presos. Assim, não somente a Flávia, mas em torno de 20 italianos e espanhóis foram soltos e expulsos do país. A liberdade dos mesmos deve ser creditada, também, à campanha pela anistia e pela libertação da Flávia.
A experiência histórica: campanhas como a da Anistia e outras ("O Petróleo é nosso", o "impeachment" de Collor, a luta contra a dívida externa, etc) são demonstrações do poder popular que devem ser devidamente estudadas e aperfeiçoadas como arma política/social. Povo na rua, reivindicando seus direitos, defendendo a soberania nacional, combatendo a corrupção e a prepotência governamentais, denunciando os privilégios das classes dominantes e das empresas transnacionais, constitui arma poderosa, capaz de derrubar bastilhas.
São Paulo, 5 de Agosto.
*Paulo Schilling, ex-exilado no Uruguai, pai de Flávia Schilling.