Grupo de Conjuntura Fundação Perseu Abramo
03 de novembro de 2014

A reunião priorizou a análise dos temas referentes aos resultados eleitorais do segundo turno das eleições 2014.

Elementos para o balanço das eleições 2014 A vitória da reeleição da presidenta Dilma teve grande impacto internacional e, sobretudo, regional. Estava claro para os observadores externos que o que estava em jogo eram dois projetos opostos em matéria de política externa e inserção do Brasil no cenário mundial.O resultado foi lido como uma confirmação de que o ciclo progressista na América Latina não está esgotado e que tem capacidade para enfrentar as forças da direita que reivindicam a volta a uma agenda neoliberal incluindo a retomada das negociações da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).A mídia conservadora e a aliança partidária em torno da candidatura tucana tentando deslegitimar a vitória do PT falaram em “país dividido”, fazendo uma leitura falsa do resultado. Resultados “apertados” não retiraram legitimidade das vitórias em outras disputas eleitorais em diversos países recentemente (Obama nos EUA, Hollande na França etc.). Nem estes resultados devem ser lidos como que se deva governar com o programa dos derrotados – para incorporá-los e “evitar a divisão do país”.

Em 2014, a disputa de projetos foi das mais explícitas em eleições realizadas desde a democratização nos ’80, e com o resultado o povo endossou democraticamente o programa da candidatura da presidenta Dilma. A tentativa de deslegitimação do resultado aponta para uma chantagem sobre a  presidenta a fim de que governe com o programa derrotado. De acontecer, esse sim seria o caminho para que seu mandato perca legitimidade.

2014 não foi uma eleição tão diferente assim. Repetiu a polarização PT x PSDB.  Mostrou capacidade da candidatura petista de defender um projeto de país e de convencer a maioria das pessoas. Mas houve também diferenças em relação às outras eleições, como as vertiginosas mudanças de candidaturas (com a morte de Eduardo Campos e a entrada em cena de Marina) e o sobe-e-desce de candidaturas (Marina em relação a Aécio no primeiro turno e Aécio em relação a Dilma no segundo turno), uma verdadeira “montanha russa”. E a decisão foi só na reta final.

A vitória do PT,  no entanto, não exclui a necessidade de entender as motivações dos votos favoráveis à candidatura do PT e aqueles contrários. Até porque a candidatura petista perdeu espaços importantes em relação a eleições passadas, ainda que tenha tido desempenho importante em estados como MG e RJ e em boa parte do NE, onde se destaca  o resultado de PE com  um segundo turno arrasador. Ainda nos resultados em nível global, é preciso se considerar também que parte da “perda de espaço” institucional (número de deputados e senadores) pode ser creditado à alianças proporcionais nos estados, já que livre delas, a quantidade de deputados eleitos pelo PT, por exemplo, seria muito superior aos obtidos desta vez (101 deputados e não 70).

Há aparentes correlações positivas entre porcentagem de votos em Dilma e alguns indicadores socioeconômicos, mas nenhuma explica tudo e em todas as regiões. Há casos em que claramente o perfil socioeconômico dos eleitores (mais pobres, com menos escolaridade etc.) parecia definir o voto em Dilma.  Porém, importantes municípios com forte presença de estratos médios e altos, como os do Triângulo Mineiro, lhe deram a vitória também.

Poderia se entender que há uma “correlação espacial”, isto é, quando um município rico está inserido em uma região com menor IDH sofre um contágio político-eleitoral. Isso pode ser explicar porque obviamente a vida de todos melhora quando melhora a situação dos mais vulneráveis.

Novos estudos devem esclarecer sobre um aspecto crucial: é a presença de políticas sociais (como bolsa família, PROUNI etc.) que impulsiona as pessoas a votar na candidatura de Dilma ou o fato de que houve uma efetiva melhoria nas condições sociais e econômicas no distrito em questão? A pergunta é pertinente porque quando comparamos o mapa das políticas sociais com o mapa eleitoral verificamos que há importantes desvios do que seria uma correlação positiva geral.

A contrário do prebendarismo da política tradicional brasileira, a considerável melhoria das condições de vida que os governos do PT têm promovido constituem um patrimônio simbólico dessas populações, uma incorporação em sua vida de um conjunto de direitos aos quais não está disposta a renunciar. Não se trata de uma politica de prebendas, mas de universalização de direitos.

Há uma intoxicação ideológica neoliberal de setores da população que reverte em votos para a oposição. Espaços das políticas públicas estão invadidos pela visão que as pessoas têm de que sua realização se deve ao mercado e no mercado (o acesso privado a bens coletivos), desconhecendo que se trata de uma ação estatal socialmente solidária (o caso mais claro é o dos seguros privados de saúde cujos custos podem ser descontados do pagamento de imposto de renda pessoal, quer dizer, é dinheiro público aplicado a um consumo privado).

Houve na disputa política eleitoral dois “relatos” confrontados. Por um lado, os setores que viam claramente que a melhoria de sua situação de vida era devido às políticas públicas e por isso reconheciam o valor coletivo do projeto petista. Por outro lado, aqueles setores que consideram que a melhoria de sua situação se deve unicamente a seu esforço pessoal (ou a sua família ou ainda “a Deus”) e, em consequência, era sensível ao discurso anti-setor público, já que finalmente o Estado é visto como um peso a suportar, um custo a pagar, etc.

Esta confrontação de projetos tem que ser resolvida no plano da disputa de ideias e relatos da história recente do país.

O PT deve tirar todas as conclusões dos resultados do segundo turno. Não foram os indicadores socioeconômicos os que definiram a vitória. Foi a política. A eleição presidencial de 2014 foi provavelmente a mais politizada ocorrida desde a redemocratização.  Houve uma forte e explícita contraposição de projetos de país com claros recortes de interesses das classes sociais em jogo.

A vitória conquistada nas duras condições em que se deu não deve impedir a busca pelos votos que estiveram com a oposição, mas que deveriam ter sido de apoio à candidatura do PT. Para tanto, há toda uma tarefa política de combate ao conservadorismo que atravessa inclusive setores sociais que se beneficiam das políticas do governo e que faz com que haja na sociedade uma forte resistência ao combate às desigualdades sociais.

É importante sublinhar que o projeto tucano foi fortemente hegemonizado por forças à direita. O proclamado “terceiro turno” veio junto com intolerância política, racismo contra nordestinos e os pobres, campanha golpista pelo impeachment da presidenta, reivindicação da ditadura militar, discursos pedindo a volta dos militares etc. “A direita saiu do armário”, nunca se viu uma campanha militante de direita como nesta oportunidade. Esta será uma conta pesada que a candidatura Aécio terá que pagar, mas também a de Marina que optou por ser caudatária deste operativo reacionário. A ideia de um “terceiro turno” é uma jogada da oposição de direita. O governo deve agora governar.

O próximo período lança o desafio de se estabelecer um sistema de vasos comunicantes entre quatro jogadores decisivos: o segundo governo Dilma, o ex-presidente Lula, o PT e os movimentos sociais.

A própria presidenta Dilma, no seu discurso no dia da vitória eleitoral, reforçou a visão de que deve renovar sua forma de governar; o presidente Lula foi alvo do tiroteio eleitoral como não tinha ocorrido em 2010; o PT percebeu que precisa modificar sua forma de atuar e funcionar, foi a militância que se auto convocou para a batalha do segundo turno e quem definiu a virada; o segundo turno mostrou a importância de estar sintonizado com os movimentos sociais organizados.

Por fim, um fato novo e positivo, foi que o segundo turno criou condições para uma reaproximação com outros setores de esquerda que vinham mantendo uma política de oposição sistemática ao PT. A política de alianças no Congresso e na sociedade exigirá novas fórmulas para aproveitar todo o potencial transformador que foi gerado no segundo turno e evitar que no dia seguinte a conjuntura seja capturada pelas forças conservadoras. A centralidade da reforma política no próximo mandato – tal como anunciado pela presidenta Dilma na noite de 26 de outubro – pode ensejar esse novo cenário político:  nova política de alianças com uma nova agenda política progressista.