(o texto em azul é de autoria de Gianfrancesco Guarnieri e o texto em vermelho, de autoria de Vanya Sant’Anna)


O movimento pela anistia, ampla, geral e irrestrita que ocorreu nos dois últimos anos da década de 70, foi, juntamente com o movimento posterior pelas "diretas-já", provavelmente o mais importante fenômeno de manifestação da vontade popular em defesa da democracia, de um futuro favorável à solução dos problemas mais urgentes do país, e demonstrativo da determinação de um povo que, essencialmente, acredita nas possibilidades de ultrapassar os obstáculos que se agigantaram em passado recente, impedindo avanços fundamentais em todos os quadrantes da atividade humana.

Como artista, minha participação na campanha da Anistia concentrou-se basicamente em manifestações e atos públicos. Era necessário que as pessoas soubessem quais as nossas posições diante do quadro político vigente. A campanha pela Anistia nos devolvia a voz, nos fortalecia na batalha pela livre expressão.

Na época, como vice-presidente da Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo, participei da Executiva do CBA de São Paulo. Durante dois anos, nada foi mais importante na minha vida. A campanha pela anistia devolveu à minha geração o gosto pela vida, pela luta política, nos fez sorrir em meio às lágrimas e reergueu o nosso olhar.

A sociedade brasileira fartara-se da truculência, desmandos e desvarios fanáticos da ditadura. Todos sentiam urgente necessidade de rearrumar o tabuleiro, com todas as suas peças, para que o embate pudesse continuar, porém em moldes civilizados, respeitando-se os princípios democráticos básicos. A retórica autoritária dos militares no poder já não enganava nem mesmo os mais crédulos. Apesar do bafio ditatorial impregnar nossas vidas, dos poderosos esquemas de atemorização e violência, cada vez mais pessoas se empenhavam na campanha pela Anistia, por considerá-la justa, imperiosa, um dever para com todos aqueles que, patrioticamente, insurgiram-se contra a arrogância ditatorial que, pela força, pretendia eternizar-se no poder impondo-nos seu caminho liberticida. A campanha da Anistia significou esses sentimentos todos. Foi extremamente rica em ensinamentos de solidariedade, afeto, determinação. Despertava a consciência política, nos indicava caminhos na procura do que fazer.

Nossa dor se suavizava com o calor das presenças amigas e alertas. A cada pequena conquista, a emoção de uma grande vitória. A esperança voltando a iluminar olhos cansados de sofrimento e angústia pela morte, desaparecimento, prisão, tortura de parentes, queridos amigos, companheiros de sonho na luta por uma democracia que começara a balbuciar e fora amordaçada.

Formaram-se novos elos de amizade e solidariedade – Judith ,Zilah, Perseu, Leda, Luiz Eduardo, Maria, Cristina, Regina Stella, Dodora, quantos dias e noites partilhados na angústia e na esperança, quantas mãos dadas!… Quantos abraços! A imensa tristeza e as enormes alegrias! Nada mais glorioso que a luta vivida até o fim!….

Anistia, campanha que, em meio a ferro e fogo, despertou os melhores sentimentos de carinho, afeto e, por que não, ternura. A campanha pela Anistia reorientou nosso processo histórico, despertou e renovou o substrato da luta pelas liberdades políticas e direitos sociais em nosso país.

* (Memórias Conjugadas, Vanya Sant´Anna e Gianfrancesco Guarnieri, 1999)

**Vânya Sant’Anna, socióloga, professora universitária e membro da executiva do CBA/SP e Gianfrancesco Guarnieri, teatrólogo e ator, participante do movimento dos artistas pela Anistia/SP.