Abertura do I Congresso Nacional pela Anistia

Discurso de Luiz Eduardo Greenhalg

Em nome de todos os movimentos de anistia do nosso país, tenho a honra de declarar aberto o Congresso Nacional pela Anistia do Brasil.
E o faço certo de que, dos cárceres do Brasil, do exílio em terras estrangeiras, e de lugares ignorados e não sabidos, homens e mulheres brasileiros, presos, banidos, exilados e desaparecidos se unem neste momento em vínculo profundo a todos aqueles que vêem na Anistia uma conquista legítima e justa.

Professores e intelectuais aposentados, parlamentares e militares cassados, perseguidos políticos, muitos hoje aqui presentes, emprestam a este ato a garantia de que a anistia é um anseio de todos os que se viram cerceados no exercício de sua profissão, no exercício de seu mandato.
Presto especial homenagem e particular reverência – e convido a todos a o fazerem comigo – a todos aqueles que foram mortos e assassinados neste país porque ousaram pretender o advento de uma nação soberana, onde o arbítrio não tivesse guarida.

Estes homens, muitos deles foram mortos nas masmorras clandestinas dos órgãos de repressão.

Estes homens, muitos deles foram executados sumariamente sem a justa clemência de qualquer julgamento.

Estes homens, estas mulheres, todas elas com seu sangue, regaram o solo desta nação, hoje órfã do respeito mais profundo aos direitos mínimos dos homens que a constróem.

A estes heróis da liberdade, nossa homenagem.

E este Congresso se funda sobre o seu sacrifício.

Hoje a idéia da Anistia se espalha sobre a Nação com força incontrolável. Não se pode desconhecê-la. Sob nenhuma hipótese pode-se descartá-la. Na verdade, ela decorre da situação crítica criada em nossa Pátria após demorado império do arbítrio.

Pela força das armas, derrubou-se um governo constitucional em 1964. Atrás das promessas de democracia, de bem-estar social e probidade no trato da coisa pública, instalaram-se interesses de grandes monopólios estrangeiros e brasileiros. Introduziu-se o despotismo e confiscou-se o salário dos trabalhadores. Aprofundou-se o fosso entre ricos e pobres e estabeleceu-se o ambiente em que se agigantou a corrupção. Procurou-se amordaçar a vida política dos brasileiros; condenar a juventude – pelo imobilismo – à senilidade precoce; domesticar os trabalhadores; conter o povo em geral; sufocar a criatividade que não nascesse submissa; estandartizar os comportamentos e modo de pensar. Assumiu-se publicamente o compromisso de eleições diretas e livres que logo foram adiadas, escamoteadas, finalmente suspensas. O preceito constitucional de que "todo poder emana do povo" foi inteiramente desconsiderado. Chegamos à caricata situação de há pouco quando um presidente da República foi indicado por um só homem, referendado por mais alguns, com olímpico desprezo pela Nação de 110 milhões.

A suspeição desceu sobre todos os que não concordavam sumariamente com a opinião oficial e com os interesses predominantes. A jurisdição da Justiça Militar foi ampliada, atingindo os civis; a da Justiça Civil foi restringida, no processo que transformou o Judiciário num sub-poder. O Legislativo foi transformado em órgão subsidiário e formal das decisões do Executivo. Se dele diverge, arrisca-se ao castigo desmoralizante do recesso. Porque o poder completo, exercido pelo Executivo, comandado por militares, não tolera divergências.

A Resistência – necessariamente multiforme – que tal situação provocou, foi respondida com endurecimento crescente e impiedosa repressão. Leis e Atos de exceção foram produzidos, ao arrepio dos mais elementares preceitos de nosso Direito Constitucional, para acobertar juridicamente o furor policialesco. O Estado de Direito democrático sucumbiu ante o gigantismo do Estado policial.

Sucederam-se perseguições, cassações de mandatos eletivos, suspensão de direitos políticos, banimentos, exílios, prisões. Houve torturas, em nível assustador. E mortes. Responsabilidades jamais foram apuradas, numa desalentadora comprovação de cumplicidade oficial com a prática de sevícias e dos assassinatos. O Brasil passou a ser tristemente conhecido no exterior como um dos países que mais aviltam os Direitos Humanos, dos que mais discriminam politicamente.

A ANISTIA que hoje reivindicamos brota dessa base objetiva que mostra a Nação dividida, prejudicada pela dispensa compulsória da contribuição de tantos filhos capacitados em diversos campos da atividade humana, como política, ciências magistério, artes.

A Anistia pela qual batalhamos visa integrar na vida nacional todo esse contingente marginalizado e perseguido de brasileiros. Ela é uma providência tradicional da nossa História, que desde a época do Brasil-Colônia já registrou quase cem anistias.

Até a realização deste Congresso, a luta que hoje travamos passou por diferentes fases. Houve a fase inicial caracterizada pelos pronunciamentos favoráveis à Anistia feitos por personalidades destacadas da vida nacional. A partir de 1975, inicia-se o período de organização das primeiras entidades fundadas para pugnar por este objetivo específico. Aos primeiros núcleos do Movimento Feminino pela Anistia, então fundados, somaram-se os Comitês Brasileiro pela Anistia e os Comitês de Defesa dos Diretos Humanos, que se disseminaram pelo país, a partir de 1977. Por último veio a troca de experiências, de maior uniformidade, de apoio mútuo, desenvolvido durante o ano de 1978, quando foi realizado o Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia, aprovada a "Carta de Salvador" e convocado este Congresso.

Desta forma, são bem amadurecidos e ponderados os pontos de vista a que os movimentos de Anistia já chegaram.

Pronunciando-se pela necessidade imperiosa de uma Anistia política, ampla, geral e irrestrita a todas as vítimas dos atos e leis de exceção.
Rejeitando as proposições de anistia parcial e de revisão de processos, que pretenderiam excluir do alcance da Anistia os que participaram de movimentos armados contra o atual regime.

Recusando o ponto de vista de uma anistia "recíproca", por julgarmos inteiramente imprópria, sem precedentes e extemporânea a utilização do instituto da Anistia para quem não foi identificado oficialmente, não sofreu qualquer sanção punitiva, não foi condenado, nem mesmo julgado. Consideramos, sim, que toda Nação deve tomar conhecimento dos crimes cometidos contra os Direitos Humanos e identificar seus responsáveis, para que possa repeli-los, num quadro de respeito aos direitos inalienáveis. O organismo social que foi gravemente corroído pelo vírus da tortura necessita tratar abertamente desta questão, para que a repulsa pública vacine-o contra novas acometidas no futuro.

Lutando pelo fim do arbítrio, quer ele seja aberto – como nos atos e leis de exceção atuais – quer eles sejam "institucionalizados"- como as "reformas" do governo pretendem.

Declarando que a nossa luta está vinculada à luta mais geral de todo o povo brasileiro – pelas liberdades democráticas e profundamente unida à luta de todo povo por melhores condições de vida e de trabalho, nos colocamos ombro a ombro com os 350 mil trabalhadores metalúrgicos de São Paulo que, corajosamente, se lançaram à greve para exigir melhores salários; exigir o respeito às suas organizações de base; para exigir seus direitos como construtores da riqueza do País.

Este momento, não o primeiro na história dos trabalhadores brasileiros, este momento de repúdio expressado pelos metalúrgicos de São Paulo, recebe de nossa parte todo apoio e solidariedade.

Este apoio irrestrito se estende a todos os trabalhadores que lutam pelos seus direitos em todos os estados da Federação.

Este apoio irrestrito se estende a todas as lutas que no Brasil – de Norte a Sul – se façam por melhores condições de vida; e que no campo se façam pela posse da terra para quem nela trabalha.

Por isso, este Congresso se abre dentro de um momento de luta. Estamos convictos de que a vitória se avizinha.

Está aberto solenemente o Congresso Nacional pela Anistia.
Então, companheiros, de pé pela Anistia!

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