Carta de Salvador
1. A ANISTIA PELA QUAL LUTAMOS
As entidades que hoje pugnam pela ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA para todos os presos e perseguidos políticos, vem conclamar os brasileiros de todos os quadrantes e de todas as origens sociais para se incorporarem a essa luta.
Lutamos por ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA por entendermos ser esta a única forma conseqüente de Anistia, pois atende aos interesses de todos os setores e camadas sociais na luta por liberdades democráticas.
A colocação destes adjetivos é fundamental, uma vez que, cada um deles tem um significado específico.
A Anistia deve ser AMPLA – para todos os atos de manifestação de oposição ao regime; GERAL – para todas as vítimas dos atos de exceção e IRRESTRITA – sem discriminações e exceções.
Neste sentido, assumimos esta bandeira, por ser ela a única que não discrimina ninguém e que devolve ao cidadão todos os seus direitos, sem limitações de qualquer espécie.
Não se justificam as propostas de anistia parciais ou limitadas, que discriminem, inclusive, os que na luta armada contra o regime participaram de movimentos armados, pois todos foram punidos pela força de atos e leis ilegítimos, eis que contrários à vontade popular.
Por outro lado, a Anistia pela qual lutamos só será efetivamente garantida com o fim do aparelho repressivo oficial ou autônomo, que desrespeita cotidianamente os direitos humanos e até a própria legislação em vigor, praticando seqüestros, torturas e assassinatos de acusados por crimes políticos, ou comuns. E que está presente, tentando obstaculizar, diariamente, as lutas do movimento popular e democrático.
Entendemos, ainda, que a conquista da Anistia não pode vir só. Ela exige a eliminação dos atos e leis de exceção, o estabelecimento das leis e mecanismos de livre representação e participação popular, além do fim radical e absoluto das torturas, bem como a responsabilização criminal dos que a praticam. Caso contrário, ficar-se-á à mercê do arbítrio da minoria no poder, que legisla e ordena a sociedade em função de seus interesses.
É então, neste sentido, que esta luta beneficia não apenas aqueles que foram diretamente punidos, mas a grande maioria do povo brasileiro, impedido hoje de participar ativamente da vida política e econômica do país, pelos atos e leis de exceção, particularmente o Ato Institucional n.º 5.
Reafirmamos que Anistia não é uma dádiva, mas sim uma conquista a ser feita por todos os brasileiros.
2. ANISTIA E LIBERDADES DEMOCRÁTICAS
A luta pela Anistia é necessária e imprescindível para a obtenção de uma conquista maior: as liberdades democráticas.
Estamos convencidos que todos os elementos básicos que dão justeza à luta pela Anistia estão colocados no momento político atual e já integram a consciência democrática de nosso povo.
A luta pela Anistia se vincula, desde logo, com as lutas de todo o povo brasileiro por melhores condições de vida e de trabalho, por melhores salários, contra o aumento do custo de vida, por melhores condições de alimentação, habitação, transporte, educação, saúde e pela posse da terra para os que nela trabalham.
Nestes anos todos, o sofrimento dos presos políticos foi também o dos trabalhadores da cidade – desde a intervenção nos sindicatos ao arrocho salarial; dos trabalhadores do campo – desde a expulsão de suas terras à repressão brutal em favor do latifúndio; dos estudantes – desde a dissolução de suas organizações representativas às invasões da Universidade.
Prepotentemente, o regime cassou mandatos legislativos, censurou a Imprensa, Rádio, Televisão, Cinema, Teatro e Música. Extinguiu partidos políticos. Fechou o Congresso várias vezes.
Impôs o silêncio a todos.
Pois bem. A sucessão interminável de arbitrariedades e violências feriu a dignidade e desafia a fibra do povo brasileiro.
A sociedade brasileira está disposta a não tolerar mais a desumana repressão que se abateu sobre o País, nos últimos 14 anos.
Por isso estamos lutando pela ANISTIA. IMEDIATAMENTE. E afirmamos a urgente necessidade da mais ampla liberdade de palavra, de imprensa, de expressão cultural e artística e de manifestação de pensamento.
Por isso estamos lutando pela ANISTIA. IMEDIATAMENTE. E afirmamos o direito de todos à inalienável liberdade de associação e de reunião, defendendo a livre organização dos trabalhadores em seus sindicatos, e em seus locais de trabalho e residência. E proclamamos como justo o direito de greve.
Por isso estamos lutando pela ANISTIA. IMEDIATAMENTE. E afirmamos como justa e legítima toda a atividade política pela qual os amplos setores da população possam expressar seus interesses, apresentar suas propostas ao conjunto da Sociedade, e assim, participar do processo político da Nação brasileira e, nesse sentido, defendemos a mais ampla liberdade de organização de todos os partidos políticos.
3. ANISTIA E REFORMAS POLÍTICAS
É parte da luta pelas liberdades democráticas, no Brasil de hoje, e, portanto, dos organismos que lutam pela ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA , a denúncia das reformas constitucionais enviadas pelo governo para aprovação do Congresso.
As reformas propostas têm uma mesma base e objetivo – a negação da soberania popular, a perpetuação do arbítrio governamental, a manutenção da grande maioria da população na condição de marginalização política.
Presidentes escolhidos pelos antecessores e eleitos indiretamente. Governadores e senadores biônicos eleitos por colégios eleitorais fabricados sob medida, para garantir vitórias governamentais nos locais onde a oposição é majoritária. Campanhas eleitorais subordinadas à Lei Falcão. Sindicatos sujeitos à antiga legislação corporativa e intervencionista que o governante pode agravar por decreto. Que considera crime a solidariedade e a greve dos trabalhadores.
Manutenção de milhares de exilados, cassados, banidos, reformados, aposentados e presos políticos – afastados da plena cidadania porque, algum dia, agiram ou foram considerados como obstáculos ao regime.
As reformas contemplam a criação de novos partidos políticos. Mas, como de costume, formados de cima para baixo e cerceando a organização de partidos que reflitam expressivas correntes políticas, ideológicas e econômicas, além de impedir que os trabalhadores tenham suas efetivas organizações políticas atuando de maneira legal e independente.
Estas reformas procuram eternizar um presente que não tem o apoio e nem corresponde aos interesses da Nação.
Na prática não mudam realmente nada.
Mas, paradoxalmente, registram uma mudança.
Diante da crise econômica, do aumento da insatisfação, da retomada das mobilizações e reivindicações populares, o regime é compelido a mudar. E, diante da reivindicação ampla da sociedade civil por liberdade e democracia, passou a falar em democracia, mas "relativa"; em liberdade, mas tutelada e vigiada.
Institui-se o "habeas corpus" aos presos políticos, mas se garante prazo de incomunicabilidade suficiente para "investigações" … e arbitrariedades; devolvem-se as garantias da magistratura, mas se as limitam em lei. Promete-se extinguir o Ato Institucional n.º 5, mas não sem antes criar "estados" e "medidas" de emergência subordinadas aos critérios do Executivo. Extingue-se o poder do Executivo cassar mandatos legislativos e a proibição perpétua dos cassados pelas leis de exceção de atuarem politicamente, mas continuariam vigorando até o fim, as "penas" aplicadas aos que, um dia e em nome do povo, se referiram, no dizer de Alencar Furtado, "às viúvas do quem sabe e do talvez".
Os Movimentos pela Anistia denunciam as reformas propostas.
Reformas que nem consideram a Anistia, quando sabemos que a ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA é condição imprescindível para superar a divisão criada, pelo arbítrio e exceção, entre os brasileiros.
Reformas que representam um esforço diversionista em relação aos fundamentais interesses políticos e sociais do País.
Os Movimentos pela Anistia denunciam as reformas pelo que elas verdadeiramente são: o esforço para institucionalizar o arbítrio, marginalizar os setores populares e eternizar o grupo governante no poder.
4. A TAREFA FUNDAMENTAL
A conquista da Anistia depende, fundamentalmente, da transformação de sua luta em movimento de massas, que a amplie para todas as regiões e grupos sociais.
É esse compromisso-meta que, solenemente, os movimentos pela Anistia assumem perante a Nação, certos de que, sem odiar e sem esquecer, mas decididamente, inapelavelmente, o povo brasileiro está retomando os passos interrompidos que o levarão a virar a página de exceção em que vive, para construir sua força e seu futuro.
Salvador, 9 de setembro de 1978
COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA – RJ
COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA – SP
COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA – BA
COMITÊ NORTERIOGRANDENSE PELA ANISTIA
COMITÊ GOIANO PELA ANISTIA
COMITÊ LONDRINENSE PELA ANISTIA E DIREITOS HUMANOS – SEÇÃO CBA
COMITÊ PARAENSE PELA ANISTIA DA SOCIEDADE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS (PA)
COMITÊ DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE FEIRA DE SANTANA – BA
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – SP
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – BA
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – MG
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – CE
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – PB
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – RS
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – SE
MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA – PE
MOVIMENTO MATOGROSSENSE PELA ANISTIA E DIREITOS HUMANOS
OBSERVAÇÃO: Esta reunião decidiu, também, a realização do 1º Congresso Nacional pela Anistia.
Será efetuado de 2 a 5 de novembro próximo, em São Paulo. Pedimos seu apoio e adesão à realização do Congresso.