Análise
Mídia e política no Brasil
Vinte anos de pesquisas do professor Venício Lima estão no livro que investiga e discute os meios de comunicação comprometidos na parceria com o poder

Da Redação

Em época pré-eleitoral, nada melhor que um livro para entender como os meios de comunicação ajudam a projetar um futuro deputado, prefeito, governador e até mesmo presidente da República. Escrito pelo pesquisador, jornalista e publicitário Venício Lima, o livro Mídia — Teoria e Política (Editora Perseu Abramo) consegue aprofundar a questão. Venício é formado em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerias, tem doutorado pela Universidade de Illinois, Estados Unidos, é fundador do Núcleo de Estudos Sobre Mídia e Política da UnB. Seu livro ajuda a desvendar como funcionam os bastidores pouco transparentes, em relação quase promíscua, entre mídia e política no país.
O livro usa a experiência do autor em sala de aula e, ainda, oferece vasta explicação sobre teoria da comunicação. Venício relaciona e analisa apaixonadamente a visão do educador Paulo Freire sobre a importância de uma mídia democrática. Entre os artigos está a análise comparada do Jornal Nacional, da Globo, com o Jornal da Record. Intitulada Jornal Nacional — a Política Simulada, resultou de cinco meses de gravação em 1998, no total de 160 horas de fitas. No trabalho colabora a pesquisadora Liziane Guazina.
‘‘Com a substituição do Cid Moreira e do Sérgio Chapelin por Lilian Witte Fibe, havia a expectativa de que o jornalismo entrasse em uma nova era, mais independente e voltado para a política e economia’’, explica Venício. Mas a expectativa não se concretizou. O livro traz declarações publicadas no jornal da época que mostram como o estilo independente de Lilian não agradava à diretoria da emissora.
A chegada de Bonner e Fátima Bernades conduziu, segundo o autor, a um noticiário menos politizado e mais voltado para o show. A cobertura do nascimento da filha da Xuxa, a morte do cantor sertanejo Leandro e a traição da macaca Capitu no zoológico de Brasília são alguns exemplos. Enquanto, no Brasil real, os índices de desemprego estavam nas alturas e a greve dos professores pegava fogo.

Polêmicas

Professor aposentado da UnB, Venício critica a forma como a universidade, em especial os cursos de comunicação, estão organizados. Mistura decepção e esperança. ‘‘É impressionante como as disciplinas que estão sendo dadas não correspondem com a realidade dos país e os avanços tecnológicos’’, diz. Recentemente voltou a lecionar em Caxias do Sul (RS), onde mora.
No quarto capítulo, fala da enorme concentração de propriedade dos meios de comunicação. Principalmente nas cerca de 30% de emissoras de rádio e tevê serem comandadas por pessoas envolvidas diretamente com o poder. Para explicar como todas as mudanças nas telecomunicações aconteceram no Brasil, principalmente durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o autor dedicou um capítulo com importantes reflexões sobre a privatização do setor. ‘‘É impressionante como a desestatização foi feita velozmente, mesmo com a opinião pública contra. Isso não aconteceu nem mesmo nos EUA, Japão e França’’, indigna-se o pesquisador.
Dois capítulos são diretos relato de casos de envolvimento explícito dos meios de comunicação com o destinos políticos do país. A transição da ditadura para a democracia — entre 1982 e 1985 — é um período com muitos casos desse tipo. Entre eles, a fraude nas eleições para o governo do Rio de Janeiro, em que a Rede Globo divulgou estimativas erradas da apuração dos votos, que não conferiam com os reais resultados, onde Brizola vencia.
Citadas a omissão da Globo durante a greve dos metalúrgicos e nas campanhas Diretas Já e sua história de legitimação como líder de audiência durante a ditadura. Sobre o apoio da emissora a Collor, Venício transcreve declarações de Roberto Marinho. ‘‘Em entrevistas a jornais internacionais publicadas no livro, ele admite usar o poder da televisão na política, mas alega patriotismo’’, conta Venício. ‘‘Quando vejo a construção da candidatura à presidência da governadora Roseana Sarney, fico impressionado como nada mudou. Duas semanas depois que o PFL começou a vincular programas na TV sobre ela, revistas semanais estampavam na capa uma pesquisa de intenção de votos onde ela aparecia em segundo lugar.’’
Venício também presenteia os moradores do Distrito Federal no anexo 1 do livro com um estudo sobre como o DF-TV, entre 1996 e 1997, manteve uma cobertura desfavorável ao então governador Cristovam. ‘‘O governo era responsabilizado por problemas como a invasão, chamado de ‘incapaz’ e impotente com todas as letras. Uma posição crítica assumida incomum nos jornais regionais de outros estados’’, observa Venício. Como detalhe a revelação de quem era o âncora e editor-chefe do telejornal na época, hoje assessora a comunicação do governador Joaquim Roriz.

Publicado pelo CORREIO BRAZILIENSE – 02/12/01