A nata da extrema-direita do Rio Grande do Sul na Câmara Federal de Deputados, em Brasília, está representada por dezessete parlamentares ligados aos seguintes partidos políticos: PL (5), PP (4), MDB (2), PSDB (2), Republicanos (2), PSD (1) e Novo (1). Na troupe, de bolsonaristas-raiz, se encontram os porta-vozes do negacionismo sanitário na pandemia, do agronegócio para quem a nação se confunde com hectares de commodities para exportação, do ódio ao pensamento crítico no movimento estudantil e de ex-futebolistas que não amarram as chuteiras de Sócrates e Casagrande.

É compreensível que votassem “Não” à Proposta de Emenda Constitucional (PEC da Transição) que, rejeitada, inviabilizaria o Auxílio Brasil, rebatizado Bolsa Família, que vai além do repasse de recursos, pois contém critérios para garantir as crianças e adolescentes na escola. O fato do ministro Gilmar Mendes, haver tirado o programa social do Teto de Gastos para evitar a penalização dos vulneráveis, não se estenderia a outros programas imprescindíveis como o Farmácia Popular, o Merenda Escolar e nem alcançaria o reajuste do salário mínimo acima da inflação, já em 2023.

O ressentimento dos revanchistas, entre os quais os que não se reelegeram apesar de beneficiados com o “orçamento secreto”, foi reverberado pela primeira-dama atual que nas redes sociais rogou pragas à urgentíssima medida, sancionada no Congresso Nacional. Terá subido numa goiabeira?

Não foi a única. Em artigo na Zero Hora (21/12), a liderança do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), think thankfundado no momento que as ideias neoliberais de Mises e Hayek despontavam em escala global, na década de 1980, compartilha as posições do bloco do extremismo populista “quanto pior, melhor”. A “presidenta” (termo usado por Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas, mais antigo do que “a presidente”) duvida da capacidade de a Argentina saldar compromissos assumidos com o Brasil, como se fora plausível um calote em seu maior parceiro comercial na América Latina e peça fundamental para o projeto de integração latino-americana.

Para arrematar o nonsense econômico combinado a uma maledicência política, a expoente atribui as mudanças na Lei das Estatais à indicação do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, cuja tarefa é justamente reverter o processo em aceleração de desindustrialização do país: o verdadeiro alvo da irritação azeda, que uma ironia juvenil e desportiva não conseguiu esconder debaixo do tapete.

A era da pós-verdade não terminou no segundo turno das eleições, nota-se. É difícil estabelecer a linha divisória que separa o abuso de fake news e o ranço ideológico ortodoxo, ambos torcedores fanáticos da financeirização do Estado e da sociabilidade excludente que arremessa milhões de miserabilizados no desemprego, no desamparo e na fome. “A Petrobrás já perdeu quase R$ 120 bilhões em valor de mercado”, lamenta a presidenta do IEE, demonstrando muita preocupação com o jogo de perde-ganha das especulações no cassino financeiro. O Messi figurado que admira é o dinheiro, não aquele que investe na felicidade do povo, na produção e no desenvolvimentismo.

Sobre o fato de que a Petrobrás distribui os maiores dividendos da companhia e os mais elevados nas Bolsas de Valores, às custas dos brasileiros que tiveram os combustíveis dolarizados, nenhuma palavra de misericórdia. São R$ 180 bilhões no bolso dos proprietários de ações, em regra geral, estrangeiros. Zero de investimentos para manter as reservas e a produção de petróleo. Nenhum pio enquanto o desgoverno Bolsonaro / Guedes desindustrializava, sem piedade, a petroleira para fazer a festa dos rentistas. E depois vendê-la a preços de liquidação para as corporações estadunidenses.

Em paralelo à comovente compaixão com os ricos acionistas, ressalta uma total falta de empatia para com os pobres. “A PEC do Estouro provoca um aumento… nas despesas públicas”. Poderia ponderar que insere os necessitados no orçamento da União e faz a roda da economia girar nos municípios, em especial nos pequenos e médios. Os cifrões assistencialistas serão gastos com alimentação para a subsistência, gerando impostos. Mas prevalece a solidariedade com a bonança do rentismo e o sangradouro causado pelos títulos da dívida pública nas mãos dos bancos.

A raiva incontida nas entrelinhas transparece em face da “descondenação de Lula” (sic). Como se o erro da pantomima judicial criticada pelos melhores juristas do mundo fosse este: não à suspeição do juiz parcial (o pior dos defeitos morais de um magistrado); não as ilegalidades e o lawfare embutidos na sentença condenatória sem provas, corroborada pelo TRF-4, que nunca mais tocou no assunto. Refutada pela ONU, a sentença foi anulada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal (STF). Impossível foi voltar atrás no tempo, para impedir que o resultado do pleito eleitoral de 2018 fosse corrompido e subtraído, do povo, o direito de escolher o candidato que ponteava todas as pesquisas de intenção de voto, à época. O genocida se despede de um mandato, do início ao fim, ilegítimo.

Falar da árvore, sem prestar atenção na floresta, revela sempre uma grave limitação cognitiva que só serve à desinformação. A lista dos ilustres injustiçados, presos, é incomensurável na história. Tiradentes (Brasil), Rosa Luxemburgo (Alemanha), Mahatma Gandhi (Índia) e Nelson Mandela (África do Sul) estão nela. Para não citar os invisíveis periféricos, que lotam os presídios.

As articulações externas dos pseudo agentes da Justiça, autodenominados “República de Curitiba”, tinham por objetivo destruir as pujantes empresas nacionais de engenharia e infraestrutura. Coisa que configurou um deliberado crime de lesa-pátria, com os responsáveis ainda impunes e, agora, no desfrute do fórum privilegiado. A propósito, sobre o emprego do Judiciário como ponta de lança dos interesses dos Estados Unidos, no bojo da operação Lava Jato, ver Geopolítica da intervenção, publicado pelo advogado Fernando Augusto Fernandes. Fica de sugestão aos membros do IEE.

Que nesse período em que vibram nos corações os acordes da cristandade, se liquefaçam os humores embrutecidos na aliança do neofascismo com o neoliberalismo. E a paisagem urbana, defronte os quartéis, enfim, regresse à civilidade dos cumprimentos gentis. Feliz Natal.

Luiz Marques é docente de Ciência Política na UFRGS, ex-secretário de Estado da Cultura no Rio Grande do Sul

 Este é um artigo autoral. A opinião contida no texto é de seu autor e não representa necessariamente o posicionamento da Fundação Perseu Abramo.

 

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