40 anos depois: Alexandre vive!

 

No dia 16 de março de 1973, o estudante Alexandre Vannucchi Leme, de 22 anos, foi preso e levado por agentes do DOI-Codi do II Exército, São Paulo. Após um dia e uma noite de tortura, está morto. Da versão oficial constava que o preso havia se suicidado. 

Ao completar 40 anos de sua morte, uma série de eventos “40 anos depois: Alexandre vive!” está sendo preparada. No dia 14/03, haverá show e exposição no Centro Cultural São Paulo, e no dia 15/03, às 12h a Caravana da Anistia da Comissão Nacional de Anistia faz um ato simbólico reconhecendo a anistia post mortem de Alexandre Vannuchi Leme no prédio da Geologia da USP (faculdade onde ele estudava) e às 18h, será celebrada missa em memória dos 40 anos, Catedral da Sé, São Paulo

 O caso de Vannucchi foi registrado pelos jornalistas Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio no livro Dos filhos deste solo – Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado, publicado em co-edição pela Editora Fundação Perseu Abramo e Boitempo Editorial. Leia abaixo, o relato sobre sua prisão e morte.

 

 

 

Duas farsas: suicídio e atropelamento

Alexandre Vannucchi Leme (05/10/1950 – 17/3/1973)

 

Quinze de março de 1973, quinta-feira: Alexandre Vanucchi Leme, aluno brilhante do último ano de Geologia na USP, assiste à aula pela última vez. Estimado por seus colegas e professores, pequeno e franzino, tem o apelido de Minhoca. Está com 22 anos.

Dezesseis de março, sexta-feira: Alexandre é preso, às 11h, por agentes do DOI-Codi do II Exército, São Paulo. Ninguém presencia a sua prisão. (Hoje se sabe que ela decorreu da delação do militante da ALN João Henrique Ferreira de Carvalho, o Jota, que passou a trabalhar para os órgãos repressivos.) Durante todo o dia, é torturado pela Equipe C, integrada pelos delegados dr. Jorge, dr. Tomé, pelo escrivão Gaeta, pelo tenente PM Mário, pelo investigador Oberdam e pelo carcereiro Marechal. As torturas prolongam-se pela noite. Os 20 presos políticos que se encontram nas sete celas do DOI-Codi ouvem os gritos e gemidos de Alexandre. Nos intervalos da tortura, ele é reconduzido ao x-zero, a cela forte, totalmente escura.

Versão: suicídio 

Dezessete de março, sábado: Alexandre é visto quando vai sendo conduzido para a sala de torturas, ainda caminhando com os próprios pés. Agora, seu suplício está a cargo da Equipe A, dos delegados dr. José e dr. Tomé e outros. Ao meio-dia, os presos políticos vêem que ele é trazido de volta para a solitária, já carregado. Entre 16h e 17h, o carcereiro Peninha vai buscá-lo para nova sessão de tortura e o encontra morto. Começa um corre-corre nervoso. Os presos políticos recebem ordem de ficar no fundo das celas para nada verem. Os torturadores Caio, Alemão, Silva, Rubens, dr. Jacó, dr. José vão todos ao x-zero ver o jovem morto. Alexandre é retirado da cela, que em seguida é lavada. Todas as outras são revistadas à procura de objetos cortantes. O carcereiro diz que Alexandre tentou o suicídio e fora levado ao hospital. 

Dezenove horas: o corpo dá entrada no IML. Na Requisição de Exame, já aparece outra versão, que será a oficial: 

Trata-se de elemento terrorista que, quando era transportado em auto pelos Órgãos de Segurança Nacional, precipitou-se para fora do mesmo, e a seguir precipitou-se sob as rodas de um auto que passava no local recebendo ferimentos que ocasionaram a morte, quando a caminho do Hospital das Clínicas. 

A Requisição de Exame informa que o atropelamento ocorreu às 17h do dia 17 de março de 1973, na esquina da Rua Bresser com Avenida Celso Garcia, em São Paulo. 

Alexandre Vanucchi Leme é qualificado com todos os dados: nome, idade, filiação, profissão, naturalidade. Arnaldo Siqueira, diretor do IML, designa Isaac Abramovitch e Orlando Brandão para realizar a perícia. O Laudo Necroscópico tem 30 linhas e dá como histórico: “(…) segundo consta, na manhã de hoje, teria se atirado sob um veículo, sofrendo contusão na cabeça”. Os médicos-legistas não descrevem nenhuma lesão das barbaridades feitas com Alexandre e anotam apenas “dois ferimentos contusos, suturados com 3 cm e 1 cm de extensão e localizados na região occipital” e concluem que ele “faleceu em virtude de lesões traumáticas crânio-encefálicas”. 

Dezenove de março, segunda-feira, 10h: Alexandre é enterrado como indigente (não identificado) no Cemitério de Perus. No mesmo dia, é emitido o Atestado de Óbito. 

Vinte de março, terça-feira: por volta das 10h, os professores aposentados José Leme e Egle Vanucchi, em Sorocaba, recebem um telefonema anônimo e lacônico avisando que o filho Alexandre estava preso no Deops. 

Vinte e dois de março, quinta-feira: sozinho, José Leme viaja a São Paulo, em busca do filho. Vai ao Deops, Deic, DOI-Codi, Degran. Nesses locais, é informado que nada consta sobre Alexandre Vanucchi Leme. Dirige-se ao serviço de relações públicas do II Exército, mas nesse dia não havia expediente. Cansado e desolado, José Leme retorna a Sorocaba com a decisão de continuar a penosa procura no dia seguinte. 

Vinte e três de março, sexta-feira: Egle lê em O Estado de S. Paulo que seu filho fora preso no dia 16 e atropelado ao tentar a fuga. Arrumou uma muda de roupas e objetos de higiene pessoal. Pelo menos, já sabia que o filho estava preso. No Terminal Rodoviário de Sorocaba, José Leme compra a Folha de S.Paulo e lê, aterrado, que Alexandre, preso como terrorista, fora atropelado e estava morto desde o dia 16 de março. Em São Paulo, dirige-se ao IML para reconhecer o cadáver do filho e tentar removê-lo para Sorocaba e lhe dar um enterro digno. 

No IML, recebe a informação, como um soco, que seu filho já estava sepultado como indigente em Perus, desde 19 de março, e que o Atestado de Óbito só lhe seria fornecido no Deops. 

Delegados desmentem-se 

Dezesseis horas: José Leme chega ao Deops para falar com o delegado Sérgio Fleury. Só às 20h30, após quatro horas e meia de angustiosa espera, ele lhe atende. José Leme, tomado de indignação, interpela o delegado sobre a morte do filho. Fleury declara que sua equipe não participou da prisão de Alexandre, repete a versão do atropelamento e oferece a placa do caminhão do suposto atropelamento. José Leme recusa-se a tocar na placa: “Isso aí é mentira! Fui ao IML. O Alexandre foi enterrado às pressas, como indigente. Por que não avisaram a família?” Fleury mente mais uma vez, afirmando que Alexandre não portava documentos. Nega-se também a entregar o Atestado de Óbito naquele momento, prometendo que, no dia 26 de março, os pais o receberiam em Sorocaba. Momentos depois, o delegado Edsel Magnotti apresenta, ao pai de Alexandre, a versão inicial para a morte do filho: suicídio com uma lâmina de barbear. Os dois delegados aparentemente ainda não tinham combinado as versões. 

Nos cinco dias seguintes ao assassinato de Alexandre Vanucchi, nada é divulgado. Só no dia 22 de março, quando José Leme empreende a tormentosa busca, sai a nota oficial. 

 Versão: atropelamento 

A Gazeta do dia seguinte traz a versão: “Terrorista atropelado quando tentava fugir”. No último sábado, Alexandre Vanucchi Leme, vulgo Minhoca, terrorista da Aliança Libertadora Nacional, foi preso por agentes dos órgãos de segurança, e no mesmo dia levado para a Rua Bresser, esquina da Avenida Celso Garcia, onde por volta das 11 horas, tinha encontro com outro indivíduo. Depois de alguns instantes no local, tentou evadir-se mas não foi feliz, pois viu-se colhido pelo caminhão NT-6903, dirigido por João Coscov, que naquele exato momento trafegava pelo local. Alexandre sofreu fratura na base do crânio e morreu a caminho do hospital.

O Jornal da Tarde do dia 23 de março, sob o título “A morte sob um caminhão”, repete as informações e dá mais detalhes: as autoridades teriam feito segredo da morte de Alexandre para que pudessem prender outros estudantes supostamente apontados por ele. Diz ainda que, “embora ele não estivesse na clandestinidade, participou de várias ações, como assaltos a empresas, roubo de veículos e roubo de mimeógrafos na USP”, além de ter cooperado no levantamento de informações para o assassinato do comerciante português Manoel Henrique de Oliveira. 

 Primeira reação 

Vinte e quatro de março, sábado: a primeira reação ao bárbaro assassinato parte do bispo de Sorocaba, dom José Melhado Gomes. Em comunicado publicado no Diário de Sorocaba do dia 25, domingo, e lido em todas as missas dessa e de cidades vizinhas, acusa a polícia de ter torturado e matado Alexandre Vanucchi Leme. “Por que a família não foi avisada do ‘atropelamento’? Por que a família só veio a saber do ocorrido por intermédio dos jornais? Documentos de identificação a polícia os tinha, pois publicou filiação correta e retrato recente de Alexandre. Não me compete desmentir as acusações de terrorista e assaltante que a polícia atribuiu ao jovem. Deus o sabe. Mas é líquido e certo que, torturando e matando a vítima, essas autoridades eliminaram barbaramente quem poderia, num processo legal, defender-se e, se fosse o caso, reconhecer seus atos e responder por eles.” 

Dom José Melhado iniciou o que seria a principal reação no país às torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores políticos ao regime militar, desde a edição do AI-5, em dezembro de 1968. 

Vinte e seis de março, segunda-feira: o Conselho de Presbíteros da Diocese de Sorocaba reúne-se extraordinariamente e divulga comunicado endossando as denúncias de dom Melhado. Nesta mesma segunda-feira, cerca de 30 Centros Acadêmicos (18 da USP, três da PUC/SP, seis da PUC/RJ e outros da USP no interior) desafiam a ditadura e lançam comunicado conjunto, declarando-se em luto. 

O Centro Acadêmico XI de Agosto questiona abertamente a versão oficial: 
 
1 – (…) como poderia ser perigoso terrorista um estudante de comprovada dedicação escolar, assíduo freqüentador às aulas e primeiro aluno de sua turma? 
2 – A explicação de sua morte como acidental causa-nos estranheza por duas razões: o fato só foi divulgado uma semana após ter acontecido; essa divulgação só ocorreu quando se avolumava em toda a Universidade a procura por Alexandre, a ponto de os Centros Acadêmicos indagarem de seu paradeiro aos órgãos de segurança. 
3 – (…) Minhoca era o apelido carinhoso pelo qual Alexandre era conhecido no campus, não se tratando de nome de guerra clandestino. 
4 – (…) seria impossível ter participado do roubo dos mimeógrafos a que alude a nota, já que nesta ocasião estava preso ao leito, em virtude de operação de apendicite. 
 
A nota denuncia a prisão de outros, Adriano e Arlete Diogo e Concepcion. A nota protesta contra a desobediência aos requisitos legais na realização das prisões e reclama pelo direito de habeas corpus. 
Os alunos e professores da Geologia paralisam as atividades escolares e constituem comissão paritária para buscar a verdade. 
 
Mais reações 
Vinte e sete de março, terça-feira: o reitor da USP, Miguel Reale, envia ofício ao secretário de segurança, pedindo explicações sobre a morte de Alexandre. 
Vinte e oito de março, quarta-feira: o Conselho de Presbíteros da Arquidiocese de São Paulo solidariza-se com a família Vanucchi e envia memorial aos ministros da Educação e da Justiça e ao general-presidente Médici pedindo providências e respeito aos direitos humanos. 
Vinte e nove de março, quinta-feira: em Sorocaba e em várias cidades da Diocese, missas são celebradas em memória de Alexandre Vanucchi Leme. 
Trinta de março, sábado: o secretário de segurança, general Sérvulo Mota Lima, respondendo ao reitor da USP, e “tendo em vista a agitação reinante no meio estudantil”, reafirma a versão oficial e dá explicações (atitude sem precedentes) por não ter sido a família avisada — alega que não tinham o endereço e que, “após o prazo de 24 horas, decorridas a contar de sua morte, não tendo o corpo sido reclamado, foi enterrado”. 
Quem poderia reclamar se o fato fora ocultado? 
O general-secretário reafirma que o suposto atropelamento se deu às 11h do dia 17 de março. Vinte presos políticos viram Alexandre ser levado vivo, carregado, da sala de torturas para a cela-forte ao meio-dia. E tanto a Requisição de Exame ao IML quanto o Atestado de Óbito registram que o “atropelamento” teria ocorrido às 17h. Os censores percorrem todas as redações de jornais, rádios e TVs para impedir a divulgação da missa a ser celebrada na Catedral da Sé. Apenas o semanário Opinião dá a notícia
Quatro de abril: a revista Veja noticia na seção Datas/Morreram… “o estudante de Geologia Alexandre Vanucchi Leme, dia 24 em São Paulo”. 
Onze de abril: os advogados Mário Simas e José Carlos Dias fazem representação junto ao procurador-geral de Justiça de São Paulo, em nome da família Vanucchi, requerendo a designação de promotor público para acompanhar o inquérito instaurado no Deops. O Deops responde que, de fato, existe inquérito, mas para apurar as atividades da ALN. Portanto, não há inquérito policial para apurar o suposto atropelamento. 
Egle e José iniciam luta na Justiça para obter a exumação do corpo, necropsia do cadáver, trasladação para o jazigo da família em Sorocaba e apuração da responsabilidade pela morte. 
Dezesseis de abril: o deputado do MDB-RJ Lysâneas Maciel denuncia o assassinato de Alexandre Vanucchi Leme na Câmara dos Deputados. 
 
Carta ao Papa 
Vinte de abril, Sexta-Feira Santa. Egle envia carta ao papa Paulo VI:
 
Ajoelhada aos pés de V. Santidade, chorando, abro-lhe meu coração dilacerado de dor. Diante de Vós… uma pobre mãe ousa dizer-Vos que sofre hoje como Maria SS, vendo o martírio de seu filho. Maria, porém, pôde acompanhá-lo até o último alento. Pôde banhar de amor e lágrima o corpo exangue de seu Divino Filho, que fora preso, julgado, torturado e morto…. Quem Vos escreve é uma mulher do povo a quem lhe mataram o primogênito dos seis filhos, recusando-lhe até mesmo a entrega desse corpo. Tudo me foi tirado: um filho, o consolo de vê-lo após a morte e o direito mais legítimo de o sepultar. 
 
Três meses depois, com a data de 16 de junho de 1973, Egle recebe carta do cardeal Villot, dizendo-lhe que Paulo VI tomara conhecimento de sua carta e que fazia chegar, por intermédio dele, “uma palavra de alento à signatária”. 
Dois de junho: o médico Cássio Rosa declara no Cartório do 2º Ofício que operou Alexandre com um quadro de apendicite aguda, nos dias 25 e 26 de janeiro, dias em que são imputados a Alexandre assalto e roubo de mimeógrafo na USP.  
Dezoito de junho: oito presos políticos que testemunharam as torturas que resultaram na morte de Alexandre denunciam na Primeira Auditoria Militar de São Paulo o que viram: Luiz Vergatti: (…) e exemplo de torturas foi a morte de Alexandre Vanucchi lá na Oban. César Ronan dos Anjos Carneiro: (…) pôde testemunhar, em particular entre os dias 15 e 20 de março, durante dois dias seguidos e que, após esses dois dias, lhe foi informado pelas autoridades do local que ele havia se suicidado. Veio a saber (…) tratar-se de Alexandre Vanucchi. Leopoldina Braz Duarte: (…) e inclusive assistindo à morte de um menino, que mais tarde veio a saber que se chamava Alexandre Vanucchi. Roberto Ribeiro Martins: (…) presenciei muitas pessoas sendo torturadas, entre elas posso citar Luiz Vergatti, José Augusto Pereira e o caso mais grave se deu com um jovem de nome Alexandre Vanucchi. 
Durante dois ou três dias, ouvindo os seus gritos, e, por fim, na tardezinha ser retirado da cela-forte, espalhando sangue por todo o pátio da carceragem, e depois ouvi comentários dos carcereiros que falavam em suicídio, para justificar o que foi feito (…) uma revista em todas as celas. Neide Richopo: (…) além de ser torturada (…) presenciou o assassinato de um rapazinho no DOI chamado Alexandre; que se ouviam os gritos de Alexandre durante todo o dia, e, no segundo dia, ele foi arrastado, já morto, da cela onde se encontrava (…) que ele jamais poderia ter sido atropelado, porque já estava morto quando saiu do DOI. 
Além desses cinco, Walkíria Queiroz Costa, José Augusto Pereira, Luiz Basílio Rossi, em seus depoimentos à Justiça Militar, ainda presos e sujeitos a represálias, denunciaram as sevícias e a crueldade praticadas contra o jovem estudante. 
 
Outra denúncia 
Ainda em 1973, o engenheiro Marcus Costa Sampaio depôs na Auditoria Militar de Fortaleza: 
(…) durante sua permanência em tal pavilhão, sempre ouviu gritos e gemidos, quer durante o dia, quer durante a noite; que observou com respeito aquele rapaz da solitária que, no início, os seus gritos tinham certa intensidade, que foi diminuindo gradativamente, até se tornar débil, que esse rapaz foi chamado a depor, ocasião em que deixou, caminhando normalmente, essa solitária, e, em seguida ao interrogatório, constatou que o carcereiro, ao abrir a porta da cela onde se encontrava o mencionado rapaz, saiu correndo e foi chamar algumas pessoas; que foi dada ordem para que os presos permanecessem no fundo das celas e não se aproximassem das portas das mesmas que davam para o corredor e, em seguida, foi determinada uma revista em todas as celas sob a alegação de que se procuravam instrumentos cortantes, ocasião em que declarou o carcereiro, que aquele moço da solitária havia tentado o suicídio cortando os pulsos; que o interrogando veio a saber que o nome desse rapaz na solitária era Alexandre Vanucchi… 
 
Em 1975, 35 presos políticos do Presídio Político de São Paulo enviaram um longo e minucioso documento à OAB, relatando 16 mortes de presos políticos que foram testemunhadas por eles, dentre esses, Alexandre Vanucchi Leme. 
 
Ministro do STM 
 
Em 1978, no dia 26 de abril, o ministro do Supremo Tribunal Militar (STM), Rodrigo Otávio Jordão Ramos, apresentou voto vencido em que pedia a apuração de denúncias sobre torturas a presos políticos e a investigação da morte de Alexandre e Carlos Nicolau Danielli: “Fui vencido, no tocante à apuração de denúncias sobre torturas e sevícias que teriam sofrido alguns réus, e culminando com a morte de Alexandre Vanucchi Leme e Carlos Nicolau Danielli. Sobre Alexandre Vanucchi Leme, jovem estudante de Geologia, 22 anos apenas, as condições de sua morte geram dúvidas que merecem exame mais aprofundado. Inicialmente, encontramos denúncias, por parte de outros acusados companheiros de cárcere, vizinhos de cela do citado estudante, que narram fatos de intensa gravidade”.
O ministro socorre-se dos depoimentos de Luiz Vergatti, César Ronan dos Anjos Carneiro, Leopoldina Braz Duarte, Carlos Vítor Delamônica, Walkíria Queiroz Costa, Roberto Ribeiro Martins. 
O ministro questionou as alegações finais do procurador militar, chamando a atenção para o fato de os médicos-legistas não terem afirmado que as lesões traumáticas crânio-encefálicas decorreram do acidente e por terem usado a expressão “segundo consta”. Em seguida, o ministro discutiu o depoimento do motorista do veículo “atropelado”, João Coscov. 
Segundo ele, a vítima estava sendo perseguida por uma “turma” aos gritos de “pega-ladrão”, incidente este ocorrido na Avenida Celso Garcia, uma das mais movimentadas artérias de São Paulo, e somente uma pessoa — Alcino Nogueira de Souza, balconista — descreveu os fatos, no entanto, em total desacordo com o motorista: Alexandre estaria tomando uma cerveja, encostado ao balcão e, de repente, correu atravessando a rua, quando se atirou sobre o caminhão. 
Criticou ainda os policiais por não terem aberto inquérito policial, indispensável, limitando-se à anotação da placa. Infelizmente, o ministro perdeu por 13 x 1 votos. 
Também em 1978, os advogados Mário Simas e Luiz Greenhalgh, representando a família Vanucchi, tentaram reabrir um IPM sobre a morte de Alexandre, sem sucesso. 
 
A família Vanucchi conseguiu, por meio de ordem judicial, a exumação dos restos mortais de Alexandre. Com a Catedral da Sé lotada, dom Paulo Evaristo Arns oficiou celebração litúrgica em memória de Alexandre e frei Tito de Alencar Lima (que se suicidou na França, aos 29 anos, destruído psicologicamente em conseqüência de torturas sofridas no Dops e DOI-Codi em 1969). 
Em seguida, os restos mortais de Alexandre foram levados para Sorocaba, velados na Praça Alexandre Vanucchi Leme e enterrados em sua cidade natal. 
 
Dezoito de janeiro de 1996: na segunda reunião ordinária da Comissão Especial, foi acolhido, por unanimidade, o parecer de Suzana Keniger Lisbôa favorável ao reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo assassinato de Alexandre Vanucchi Leme.