Imagine, caro leitor, cara leitora, um país imerso em profunda estagnação econômica e turbulência política. Um país que no período do pós-Segunda Guerra desfrutou de crescimento econômico, mas no período pós-Guerra Fria viu seu desempenho se enfraquecer paulatinamente, investimentos diminuindo, infraestrutura deteriorando, jovens sem trabalho ou sem estudo se precarizando. Uma sociedade marcada pelo cansaço dos mais velhos e pelo desencanto dos mais jovens.

Imagine também um lugar em que, em tempos mais recentes, uma operação contra a corrupção criminalizou a política, fortaleceu líderes populistas, que, por seu turno, de forma direta ou indireta, abriram espaço para o avanço de uma extrema-direita fascista e orgulhosa da sua incultura. Cristãos contra comunistas, liberais contra democratas.

Imagine ainda que nesse país a esquerda tenha entrado em crise, alguns extintos, outros isolados, radicais e reformistas fragmentados. Imagine mais, se não for pedir demais, vislumbre que essa nação tenha sido dirigida ou disputada por lideranças demagogas ou carismáticas que exploraram o clima de descontentamento popular e de desconfiança institucional de modo que a agenda dos interesses coletivos foi reduzida à defesa do “cidadão de bem”.

Esse país existe. E não é o Brasil. Esses são alguns traços gerais da história recente da Itália, desde o fim da Guerra Fria até a era Berlusconi e o despertar da crise econômica de 2008, tal como reconstruídos em “Primeiro, eles ocuparam Roma”. Se os fatos guardam semelhança com experiências ocorridas em outros países é porque a ascensão das novas direitas, tema fundamental deste livro, deve ser lido como fenômeno internacional e sempre que possível em perspectiva comparada.

Nesse sentido, o caso italiano é pioneiro e emblemático. Foi na Itália de Matteo Salvini e da Lega Nord, por exemplo, que o ex-assessor de Donald Trump, Steve Bannon, escolheu instalar sua academia populista. O caso italiano se nos apresenta quase como uma antessala para o desfile e o encontro de tipos que vem marcando a política em muitos países do Ocidente. Num certo sentido, o espelho de Roma reflete problemas da América.

O trajeto se inicia com a reconstrução de como o partido de extrema-direita Lega Nord apareceu na cena política italiana, se valendo da atmosfera anticorrupção, se aliando a Berlusconi e aos pós-fascistas e impondo uma agenda antipolítica (capítulo 1). Na sequência se examina como o avanço dessa extrema-direita reacionária foi acelerado pelo colapso da esquerda italiana e pelo fracasso da agenda liberalizante da centro-esquerda (capítulo 2).

O roteiro aborda, ainda, o peso da gerontocracia e de uma elite italiana envelhecida que espalhou desilusão entre os mais jovens (capítulo 3) e explora como forças políticas conservadoras utilizaram esse descontentamento para espalhar soluções simplistas, individualistas e imediatistas (capítulo 4). Por fim, o livro alerta para como esse cenário criou as condições para a criação de uma força conservadora nacional e tradicional na Itália contemporânea (capítulo 5).

“Primeiro, eles ocuparam Roma” é uma espécie de “barca de Dante” nos conduzindo por esse rio marcado pela presença de políticos magnatas, estrategistas de redes, ideólogos extremistas, comediantes candidatos, blogueiros fascistas etc. Traz lições e alertas do passado italiano recente para o presente imediato e para o futuro próximo.

Passado um século da tomada de Roma pelos fascistas, o tema retorna à cena política, tanto lá na Itália quanto no Brasil. Convidamos você a conhecer o livro de David Broder, uma parceria da Autonomia Literária e a Fundação Perseu Abramo. Logo teremos uma versão eletrônica disponível para download no Portal da Fundação, com exemplares impressos distribuídos pelos canais da Autonomia Literária, no link .

William Nozaki é professor de ciência política e de economia da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Coordenador do Centro de Altos Estudos da Fundação Perseu Abramo 

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