Os impostos sobre renda, patrimônio e herança têm uma função complementar àquela dos demais impostos que proporcionam receitas para cobrir as despesas governamentais. Trata-se da função redistributiva, de fazer justiça econômico-social, arrecadando mais dos maios ricos, função imprescindível para a construção de uma sociedade minimamente justa, harmônica, consensual e democrática.

Este grau de justiça e harmonia comporta claramente diferenças bastante grandes de ganhos e de patrimônios possuídos entre as pessoas, desigualdades que se podem atribuir às diferenças de vontade, de esforço e de talento naturais entre seres humanos. Disparidades muito maiores do que essas, como os incríveis ganhos dos craques do futebol e dos astros do cinema, como também os dos executivos de bancos muito lucrativos, se materializam, entretanto, graças a uma participação extraordinária da sociedade, que expressa no mercado suas paixões (caso do cinema e do futebol) e suas ânsias de consumo imediato pagando juros elevados. Nesses casos, então, nada mais justo do que dividir com a sociedade esses ganhos mais do que extraordinários. Isso se faz, nos países mais éticos, através de alíquotas do imposto de renda crescentes, progressivas, que atingem níveis elevados para ganhos acima de patamares muito elevados, especialmente para os ganhos derivados do capital, obtidos sem nenhum esforço de trabalho.

Este foi o principal instrumento da tão bem sucedida experiência da socialdemocracia européia do meio do século passado, que foi destruída pela investida neoliberal de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, deixando marcas remanescentes bastante nítidas ainda nos países escandinavos.

Francamente, acho que o Presidente François Hollande exagerou na sua arremetida de recuperação daqueles anos dourados. Durante aquele período, que durou um quarto de século e conseguiu compatibilizar um certo avanço para o socialismo com a democracia política, é certo que alguns países chegaram a adotar alíquotas de 75%, mas o bom-senso pede um pouco mais de moderação neste presente cometimento francês de restauração. Uma taxa de 60% para os ganhos estratosféricos, ou mesmo uma divisão meio a meio (50%) com a coletividade, desses ganhos que são obtidos com a colaboração da paixão dessa sociedade, parece bastante razoável. Naquele período do meio dos mil e novecentos, o imposto de renda no Brasil tinha essa alíquota máxima de 50%, e ninguém clamava contra ela; havia um reconhecimento tácito de que era de justiça.

Exagero de Hollande à parte, a atitude de Gerard Depardieu, de renunciar à cidadania francesa e se tornar russo, é ridícula, exibe claramente uma tentativa histriônica de recuperar o prestígio popular desgastado pelo embalofamento da sua figura. Bardot, mais sensata, buscou outro caminho para voltar às manchetes: o protesto, que parece justo, pela decisão de sacrificar dois elefantes de circo doentes de pneumonia.

Bem, registrados esses comentários, é preciso chamar a atenção para a enorme distorção do sistema tributário brasileiro atual, que carrega demasiado nos impostos indiretos, que todos pagam na mesma moeda e no mesmo valor, escondidos debaixo dos preços elevados, e é condescendente e leviano (nosso sistema tributário) nos impostos sobre renda patrimônio e herança, que são explícitos, não podem ser colocados debaixo do tapete. Imposto de herança sem progressão nenhuma, com uma alíquota única de 4%, com isenção só para um imóvel, chega a ser imoral, a meu juízo. E o mesmo se pode dizer do imposto de renda que tem uma alíquota máxima de 27,5%. Já foi de 50%! Aqui mesmo, no Brasil. 

Acho a tão reclamada Reforma Política realmente muito importante, para instituir o financiamento público das campanhas; acho a Reforma do Estado ainda mais importante, para reduzir drasticamente o exorbitante número de cargos políticos de livre nomeação do Presidente e dar mais dignidade ao servidor público de Estado, concursado; mas acho a Reforma Tributária ainda mais prioritária, para corrigir essas distorções que ferem profundamente a condição ética das nossas instituições.

Só que, vamos convir, com esse Congresso dominado por bancadas financiadas pelos que deveriam pagar muito mais, é complicado. É a razão pela qual muitos acham necessária a reforma política na frente,

para instituir o financiamento público e mudar a composição das bancadas.

A ver.

*Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), autor de O curso das ideias, editado pela EFPA e integrou o Conselho Curador da FPA.

Contatos: [email protected]

 

 

`