“Chávez somos nós”: organizações populares dizem não temer Venezuela sem o presidente
Para membros de conselhos comunais e coletivos populares, processo revolucionário segue mesmo com outro líder
Caracas – O processo de transformação que a Venezuela vive hoje sobrevive sem Hugo Chávez? A pergunta, lançada após a internação do presidente em Havana para uma nova rodada de tratamento contra um câncer, é respondida por seus apoiadores como um rotundo “sim”. Para eles, não só as mudanças sociais já haviam começado antes da eleição de Chávez, em 1998, como os 14 anos de governo chavista construíram a base para a continuidade do projeto pensado pelo tenente-coronel.
Representantes de organismos de poder popular, como conselhos comunais – mecanismos criados no âmbito da democracia participativa –, apostam que uma Venezuela sem Chávez não seria sinônimo de retrocesso ou de total extinção do “processo revolucionário”. Eles acreditam que as pedras fundamentais da participação popular já foram assentadas e que, independente de quem governe o país, a população decidirá quais rumos a revolução deve seguir.
“O povo garante a continuidade do processo, pois ele vai mais além de Chávez”, afirma Nancy Batista, ativista social, de 67 anos. A porta-voz da Comissão de Energia do Conselho Comunal Son de la Loma, no bairro caraquenho de La Pastora, conta que a conjuntura atual trouxe reflexões importantes. “Viemos construindo ao lado de Chávez uma alternativa revolucionária que já faz parte do nosso dia. Isso ninguém vai mudar”, acredita.
Questionada sobre a necessidade de continuidade do processo, Nancy diz: “A revolução é garantia não somente de paz, como de apoio ao aprofundamento das mudanças que ainda são necessárias nas estruturas do Estado – esses obstáculos que impendem o povo de ter maior participação nas decisões. Precisamos mudar as instituições imediatamente.”
A ativista social enxerga com bons olhos uma candidatura do vice-presidente Nicolás Maduro frente a uma virtual ausência de Chávez. Em 8 de dezembro, quando o presidente venezuelano anunciou o retorno do câncer, diagnosticado em junho de 2011, indicou que Maduro seria a melhor escolha em caso de nova eleição presidencial.
“Maduro também é revolução. Por isso irá contar com todo o meu apoio”, afirma. “A oposição quer fazer parecer que, sem Chávez, acaba tudo. Mas quem manteve Chávez por 14 anos, quem fez do processo uma maneira de viver? Milhares de venezuelanos como nós, que fazemos um trabalho de formiguinha em nossas comunidades. Chávez sou eu, somos todos que acreditamos no processo. Precisarão eliminar a todos nós para que essa revolução seja interrompida.”
Opinião semelhante tem Maite De Los Ángeles Martínez, estudante do quarto ano no Programa Nacional de formação de Medicina Integral da Missão Sucre no Estado de Guárico, zona central da Venezuela. “Tudo agora depende de nós. O povo tem o poder, sempre o tivemos e agora vamos exercê-lo. De que maneira? Dando continuidade à nossa revolução, mesmo sem Chávez”, fala.
A jovem de 31 anos trabalha há quatro anos na rede de atenção primária de saúde da Missão Barrio Adentro. De família humilde, decidiu que a medicina integral era uma forma de ajudar a comunidade e apoiar o processo bolivariano. “O contato com minha comunidade me permitiu constatar o avançado estado de madurez política que alcançamos nesses anos”, opina.
Maite, além de trabalhar e estudar, está integrada ao conselho comunal de sua comunidade na Coordenação do Comitê de Saúde e participa ativamente das assembleias populares tanto da organização comunal como do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela). “Custou tanto a Chávez nos dar educação, moradia, saúde etc. Não será por meio de nossas mãos que essa revolução será perdida”, garante.
De fato, as transformações sociais durante os anos de governo Chávez foram sensíveis. Em 2012, 21,2% foram registrados pelo Estado como pobres, uma queda de cinco pontos sobre os 26,5% de 2011. De 1984 a 1995, de acordo com estimativas levantadas pelo governo, pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e outras organizações internacionais, a população pobre aumentou de 36% a 66% e a pobreza extrema triplicou: subiu de 11% para 36%. Além disso, entre 1981 e 1997, a participação dos pobres na renda do país caiu de 19,1% para 14,7% e o naco dos mais ricos aumentou de 21,8% para 32,8%.
David Revilla, de 25 anos, diz que não quer que a Venezuela da juventude de seus país retorne. “Eles falam de um passado repleto de exclusão e pobreza, da ter rível repressão do Estado. Comecei a ter consciência do momento histórico no qual os jovens venezuelanos vivem. Nós somos a revolução”, sublinha.
O temor de que os anos anteriores a Chávez voltem a se repetir é compartilhado por Nelson Santana, porta-voz do coletivo La Piedrita. Segundo ele, devido às circunstâncias vividas em governos anteriores, “sempre estivemos em revolução, inclusive antes de Chávez. La Piedrita é uma das dezenas de organizações populares do 23 de Janeiro, bairro caraquenho com cerca de 250 mil habitantes. Essas agrupações existem há mais de 20 anos e podem ser encontradas em todo o bastião chavista. Hoje, a maioria dessas estruturas forma parte de uma imensa comuna, a Comuna Socialista Simón Bolívar.
“A diferença é que agora somos governo. O povo elegeu um dos seus para governar. Mas a ausência do presidente, como figura central do processo revolucionário venezuelano, não o debilita como que rem transmitir. Pelo contrário, penso que o fortalece e nos ajuda a aprofundá-lo”, opina o ativista. Ele usa uma metáfora para definir o atual momento. “É como o filho que sempre esteve debaixo da tutela de um pai e chega o momento de assumir a vida sozinho, suas responsabilidades, e se transforma em alguém ainda mais criterioso e forte, até mais do que o próprio pai”, define. “A história nos colocou nessa conjuntura histórica e estou orgulhoso de como o povo venezuelanos começou a assumi-la. Ao passado jamais voltaremos”, conclui.