Foi-se metade do governo Dilma. Restam-lhe, portanto, dois anos. Diz-se que, para os governantes, os primeiros dois passam devagar e que eles se sentem como se tivessem a eternidade pela frente. E que os segundos voam, pois o fim do mandato se torna um dado cada vez mais palpável e mais presente no dia a dia. Esse não é apenas um sentimento. A segunda metade é, de fato, mais curta.

Desde antes do fim do terceiro ano, a sucessão torna-se assunto principal. Cessam as inovações e as experiências. A pauta do governo fica limitada e a cobrança de resultados intensifica-se. É preciso ter coisas, de preferência “concretas”, para pôr na mesa. Tudo começa a girar em torno de um objetivo central: reeleger-se ou escolher quem possa vencer a eleição que vem a seguir.

A segunda metade dos governos costuma ter, portanto, dois tempos distintos: um terceiro ano predominantemente administrativo, mas já político, e uma “reta final”, marcadamente política. Se Dilma estivesse mal, se a população se sentisse insatisfeita com ela, os dois anos que tem pela frente seriam suficientes para que revisse rumos e encontrasse meios de consertar problemas.

Já vimos isso acontecer com governadores e prefeitos. São muitos os casos dos que conseguiram recuperar a imagem depois de atravessar dificuldades no começo. Mas Dilma está bem. Na verdade, muito bem. Segundo dados das pesquisas CNI-Ibope, ela saiu da eleição de 2010 com a imagem de que faria uma administração “ótima” ou “boa”. Em dezembro daquele ano, era assim que pensavam quase dois terços (62%) dos entrevistados pelo instituto.

Depois de ter alcançado, em março de 2011, a marca de 68% de avaliações positivas, Dilma foi a 55% em julho (sempre de acordo com o Ibope). De lá para cá, cresceu sistematicamente. A cada pesquisa, foi batendo os recordes de seus antecessores em igual momento. Nenhum presidente da República foi mais bem avaliado que ela. Nem Lula.

Nas mais recentes, seus números igualam ou ultrapassam as expectativas da população antes que começasse a governar. Em outras palavras: a maioria imaginava que seria uma presidenta “ótima” ou “boa” e acha que é isso que ela está sendo.
Para o eleitorado, quando disputou e venceu a eleição de 2010, Dilma fez uma promessa fundamental: faria um governo de continuidade. Era o que as pessoas queriam. Apesar das dificuldades, elas entendem que Dilma cumpriu seu compromisso nos primeiros 24 meses do mandato.

Ela manteve as políticas mais claramente identificadas com Lula, como o Bolsa Família, o ProUni, o Minha Casa Minha Vida. Não houve mudança na retórica ou em sua implementação. Foram ampliadas e aperfeiçoadas. Prosseguindo a principal opção da política econômica que herdou, renovou a aposta no mercado interno e continuou a procurar a expansão do emprego, da renda e do consumo.

As pesquisas mostram que insistir nas políticas do governo Lula nunca foi demérito para ela. A vasta maioria da população não desejava que fossem alteradas ou esperava que quem havia sido parte importante do governo anterior as mudasse. Com o agravamento da crise na economia internacional, essa continuidade mostrou-se mais significativa. Em vez de retroceder e voltar à prática conhecida de “apertar os cintos”, diminuindo gastos públicos e controlando a moeda, o governo manteve suas escolhas. E as aprofundou.

No segundo semestre de 2012, o governo mudou o discurso e passou a agir para corrigir velhas distorções no funcionamento da economia, algumas particularmente prejudiciais ao cidadão comum. Juros estratosféricos, impostos exorbitantes, preços abusivos da energia elétrica, incompetência e falta de transparência das prestadoras de serviços públicos básicos, coisas que as pessoas consideravam males eternos e sem remédio, começaram a mudar.

Em razão disso, cresceu a aprovação das ações do governo em relação, por exemplo, à inflação (entre junho de 2011 e setembro de 2012, a desaprovação caiu de 56% para 45%) e à taxa de juros (a aprovação subiu de 29% para 49%, no mesmo período). Alguns dos poucos temas de política econômica em que a insatisfação predominava diminuíram de gravidade.

Terminamos o ano com o aumento das preocupações relativas à crise, mas com a maioria da população acreditando que o Brasil está mais preparado que o resto do mundo para superá-la. Ainda bem que é pequena a credibilidade do noticiário econômico produzido pela imprensa oposicionista, que nos diz que vivemos à beira do abismo.

As pessoas acreditam que o País e o governo vão bem, seja porque a economia está corretamente administrada, seja porque a opção social que caracteriza as administrações petistas foi mantida. Mas também porque a presidenta está sendo, desde o início, uma boa surpresa. Sua “maneira de governar” é aprovada por 77% e reprovada por 18%. Confiam nela os mesmos 77% e há 22% que dizem que não. Nas duas dimensões, as respostas positivas vêm aumentando desde 2011.

É a primeira vez que temos no Planalto alguém como ela. Que não chega lá para fazer “grandes mudanças”, mas para continuar. Que não exibe uma biografia de “coisas notáveis”, mas um perfil de administradora e gerente. Que não tem passado na política e revela pequena paciência com seus hábitos e personagens.

Com tantas particularidades, ela tinha um enorme desafio quando tomou posse: governar o País sem deixar que a população sentisse saudade de Lula. Não era fácil suceder “o melhor presidente que o Brasil já teve”, de acordo com a opinião majoritária. Mesmo para políticos experientes seria difícil. Imagine-se para quem estava em começo de carreira.

Ao longo do primeiro ano, enfrentou e resistiu ao desgaste de uma série de problemas nos ministérios. Diversos ministros acabaram substituídos, quase todos por suspeita de irregularidades, algumas graves, outras menores. Em nenhum episódio foi vista como conivente ou tolerante. Atravessou-os como a maior interessada no seu esclarecimento, como quem queria aproveitá-los para fazer uma “faxina” na administração federal.

No exterior, sempre foi considerada uma importante liderança, que assumiu, com naturalidade, o papel de porta-voz de um Brasil com mais protagonismo.

O segundo semestre de 2012 tinha todos os ingredientes para ser um inferno astral para Dilma. Na economia, estabeleceu-se uma conjugação perversa de problemas complicados: crise na economia internacional, aumento das pressões inflacionárias internas, uma sensível retração na indústria.

Na política, o jogo pesado da oposição extrapartidária, procurando transformar o julgamento do “mensalão” em um tribunal de condenações ao PT e suas lideranças. A mídia conservadora, o empresariado que a sustenta e os setores da sociedade inconformados com a longa duração da hegemonia petista apostavam que enfraqueceriam o partido.

Com isso, que fragilizariam o governo, seja o desgastando diretamente, seja por meio do aumento do custo político de manter o bloco situacionista em condições operacionais no Congresso. Embora ainda vá correr muita água sob a ponte nesse front, o saldo da atual etapa da guerra do “mensalão” foi negativo para as oposições. O efeito eleitoral imediato que buscavam, ao interferir na eleição municipal, foi pequeno. O julgamento não teve consequências relevantes na escolha dos prefeitos.

Pelo que revelaram as pesquisas, especialmente qualitativas, realizadas durante a eleição, nem Dilma nem o governo estiveram em discussão, sequer entre as parcelas do eleitorado sensibilizadas pelas críticas ao PT. O que reprovavam no partido e no comportamento das lideranças condenadas nunca foi estendido à presidenta. Com isso, assim como enfrentou a piora do cenário econômico dando respostas positivas, ela atravessou o julgamento com a naturalidade de quem não tem contas a prestar pelo que aconteceu em 2005.

A eleição de outubro foi uma espécie de batismo para Dilma. Pela primeira vez, subiu ao palanque para pedir votos para outras pessoas. Nos diversos balanços de resultados publicados pela mídia conservadora, prevaleceu a noção de que ela fora malsucedida no novo papel. Que seus candidatos não emplacaram.

É uma avaliação incorreta. Nunca é decisiva a influência do apoio presidencial na escolha dos prefeitos. Como mostra nossa história recente, presidentes mal avaliados não enterram seus candidatos e mesmo os mais populares não fazem milagres. De positivo, a principal contribuição que podem dar é servir de argumento para correligionários e aliados, permitindo que usem com proveito seu nome e realizações.

Isso Dilma ofereceu a candidatos do Brasil inteiro, o que a torna corresponsável pelos bons resultados de seu partido. O saldo de sua entrada direta na eleição em determinadas cidades não deve ser medido pelo número de prefeitos eleitos – mesmo que tenha desempenhado papel nada irrelevante na vitória de Fernando Haddad, a mais importante. Ao subir ao palanque, ela mostrou-se mais do que uma administradora competente ou uma “gerente”. Assumindo papel eleitoral, Dilma sinalizou para o sistema político que faz parte dele, à sua maneira, mas de forma plena. O que ela não podia era se recusar a essa identificação.

Em termos dos indicadores de popularidade, aconteceu na eleição municipal de 2012 o que ocorrera nas anteriores: uma alta da aprovação. Se todos os antecessores se beneficiaram, não havia razão para imaginar que não se repetiria com Dilma.

Ao olhar  as pesquisas disponíveis, o que se vê é que o PT está indo para a próxima eleição presidencial com nítido favoritismo. Nas que estão sendo feitas atualmente, seus dois possíveis candidatos lideram com folga. Seja Lula, seja Dilma, têm, sozinhos, mais de quatro vezes a soma dos adversários.

Quando um partido tem um nome com 60% e outro com 70% das intenções de voto, a decisão a respeito de qual deve concorrer deixa de ser eleitoral e passa a ser exclusivamente política. Quando, juntos, têm 80% dos votos espontâneos, a questão se torna estratégica e não instrumental.

Muita coisa pode acontecer até o fim de 2013 e o início de 2014, quando a escolha tiver de ser feita. A guerra do “mensalão” não terminou e novas batalhas vão acontecer no futuro próximo, agora que os antilulopetistas se descobriram tão amigos de alguns integrantes do Judiciário.

Nada sugere que a imagem do governo venha a atravessar perturbações significativas em 2013, a ponto de impactar na eleição. Salvo uma hecatombe altamente improvável, o mais certo é que Dilma e o governo mantenham níveis de aprovação semelhantes aos de agora.

Devemos a Fernando Henrique Cardoso uma curiosidade de nosso sistema político: em um país que cultua o futebol, todo ano de eleição presidencial tem Copa do Mundo (se ele não tivesse reduzido para quatro anos o mandato em troca da reeleição, as duas só coincidiriam a cada 20 anos). Temos suficiente experiência para saber que as duas coisas não são relacionadas. Ganhar ou perder nos gramados foi irrelevante nas eleições de 1994 para cá. Em 2014, o caso é outro. Não que a eleição dependerá do futebol.

O relevante é a outra Copa que, simbolicamente, estaremos disputando. Um campeonato para mostrar ao mundo e a nós mesmos que somos capazes de organizar com competência o evento. Onde os adversários serão nossos problemas crônicos – nos transportes, nas comunicações, na saúde, na segurança pública, na mobilidade urbana, nos aeroportos e rodovias.

Essa Copa é mais importante para as pessoas do que o resultado esportivo. Elas lamentarão muito mais se ocorrerem falhas na organização do que se a Seleção for goleada. Se houver problemas, a responsabilidade será do governo federal e da presidenta. Tudo o que acontecer de ruim cairá em seu colo. E podemos apostar a quem nossa “grande imprensa” atribuirá a culpa.

A final da Copa do Mundo vai acontecer em 13 de julho de 2014. Dali a dois meses e meio, teremos a eleição. Tudo o que conhecemos hoje sobre a opinião pública brasileira aponta para o favoritismo do governo. O que ele não pode é ignorar que será julgado na véspera, pelo que ocorrer na Copa do Mundo.

Se existe uma prioridade para Dilma nos próximos dois anos, é organizar uma Copa do Mundo sem problemas. Ao menos, sem os problemas evitáveis.

*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.