Zé Dirceu
Tomei conhecimento da decretação do Ato Institucional nº 5 na prisão, informado por outros presos comuns, por soldados e guardas que eram solidários e por nossos advogados, que ainda tinham acesso a nós no Forte de Itaipu.
A reação, evidentemente, foi de indignação e revolta e ao mesmo tempo de muita decepção, porque nós tínhamos sido beneficiados por habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal e seríamos soltos. E esta decisão do STF foi um dos motivos do famigerado decreto.
Minha reação foi, mais do que nunca, a de pensar em fugir. Nunca passei uma semana, um mês sem procurar articular uma forma de escapar. Da decretação do Ato até a nossa libertação, quando fomos trocados pelo embaixador norte-americano em 1969, sempre pensei na possibilidade de fuga.
O AI-5 mudou minha vida para sempre. Primeiro, a minha vida cotidiana, porque fiquei preso até 7 de setembro de 1969; depois, porque cassaram minha nacionalidade e me baniram do Brasil junto com outros companheiros. Um ato complementar especial foi feito somente para banir aqueles que haviam sido trocados pelo embaixador.
Nunca aceitei que três oficiais das Forças Armadas brasileiras pudessem decidir que eu não tinha mais a minha nacionalidade e que estava proibido de pisar em território nacional. Tanto é que em 1971 voltei ao Brasil, na clandestinidade, e em 1975 consegui retornar definitivamente.
Mas o AI-5 mudou também o país, que paga caríssimo, até hoje, por isso. Quase todas as mazelas políticas, sociais e culturais que temos são fruto da ditadura ter permanecido até 1985. Na verdade, a democracia só foi restaurada, nas condições em que se deu, com a Constituição de 1988.
O atraso político, a falta de desenvolvimento das instituições, dos partidos, do país, toda a repressão, as torturas, assassinatos, a questão dos desaparecidos – até hoje não solucionada –, as prisões em massa, o exílio de milhares de brasileiros e principalmente o corte que houve na política democrática do país são herança desta época.
Se naqueles anos o Brasil tivesse avançado em reformas democráticas, em conquistas de direitos sociais e cidadania não viveríamos a situação de violência, de criminalidade, de desigualdade social, de opressão que vive grande parte da nossa população e nem viveríamos essa farsa política que é o governo Fernando Henrique Cardoso.
*José Dirceu de Oliveira e Silva nasceu em Passa Quatro (MG), em 16 de março de 1946. Casado com Maria Rita Garcia de Andrade, tem três filhos de casamentos anteriores – José Carlos, Joana, Camila – e uma neta, Camila, filha de José Carlos. É advogado, formado pela PUC/SP. Um dos fundadores do PT, foi eleito presidente do partido em 20 de agosto de 1995, durante o 10º Encontro Nacional do PT, em Guarapari (ES) e reeleito no 11º Encontro Nacional do PT, na cidade do Rio de Janeiro, em 31 de agosto de 1997. Foi eleito deputado federal (PT/SP) pela coligação Pra Renovar São Paulo, em 1998, com 113.659 votos, para o mandato de 1999 a 2002. Em 1968 era presidente da UEE-SP.