Walnice Nogueira Galvão
Hoje é difícil distinguir, entre as reminiscências do AI-5, aquilo que foi o flagelo de seu advento, daquilo que foi a escalada do terror de Estado cuja culminação assinalou. Entretanto, marcou um começo, como se inaugurasse inédito patamar.
Um ano meio fora de esquadro, o de 1968, já transcorrera. Havíamos passado por um trauma sem igual, vivido no ataque e bombardeio da Maria Antonia. Nunca imaginara uma surpresa do destino desse naipe: foi como se o chão me faltasse debaixo dos pés. Chegara a vez de contemplar face a face o desmoronamento de um conjunto de ideais, encarnados numa instituição de ensino e pesquisa.
O AI-5, baixado pouco mais de dois meses após o 3 de outubro em que a Maria Antonia acabou – e enquanto tentávamos todos retomar as aulas em fins-de-semana, em lugares emprestados e precários –, soou para mim como a última martelada pregando a tampa do caixão. O que se confirmaria pelos tempos desastrosos que se seguiriam, pelos anos de trevas que doravante sufocariam o país. A interjeição de dor que os atos institucionais enfileiraram em sua longa seqüência só exibe um afã de truculência, imputável ao mesmo regime que foi capaz de batizar um antro de tortura com a sigla DOI.
*Escritora e professora de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP.