Não posso deixar o tema para a semana que vem. Pretendia neste Correio falar do filme “Dossiê Jango”, sobre outro grande brasileiro condenado pela mídia e pela política, mas a pressão da opinião, do confronto de opiniões sobre a condenação subiu a tal ponto, pela espetacularização do julgamento, que me exige um comentário imediato.

Começo dizendo que estou claramente do lado dos que condenam a condenação, politicamente falando, claro, porque juridicamente não posso opinar. E o julgamento do Supremo também foi nitidamente político, processou-se sob novas regras que não exigem mais provas cabais para caracterizar a corrupção, e a condenação resultou do anátema há muito decretado pela mídia.

Anteriormente, Collor havia sido absolvido, por falta daquelas provas, e Fernando Henrique sequer foi levado a julgamento pela compra de votos denunciada, sem provas, na votação que decidiu sua reeleição. Como também todo o escândalo levantado nas operações de privatização não chegou ao âmbito do Judiciário.

Casos históricos de condenação prévia por motivos políticos podem ser citados no mundo inteiro, casos até muito mais graves por resultarem em pena de morte. Num Correio recente, eu relembrei o do casal Rosemberg nos EE.UU. que eu acompanhei durante os anos cinquenta do século passado; e comentei um belo filme exibido no Rio (conspiração americana) que mostrou a condenação política da senhora mãe do assassino de Lincoln, também nos Estados Unidos, 100 anos antes. Poderia ir ainda ao início dos mil e novecentos, e resgatar o famoso caso Dreyfus na França de Zola. Foram decisões políticas do Poder Judiciário ditadas pelos interesses dominantes. A Política, queiram ou não os puristas, juristas ou cientistas, se sobrepõe a tudo mais na vida das sociedades humanas. A Política é o principal, é o poder, mesmo quando atropela a Ética como tão frequentemente acontece. Este tema me persegue, e quanto mais eu escrevo sobre ele, mais necessidade tenho de discuti-lo.

Mas o olhar político amadurecido deve compreender isto: a dimensão maior da Política; e deve ter grandeza no revés. O maior frasista da política mundial do século passado, que foi Winston Churchill sentenciava: ”Never complain; never explain”. Na Política, a grandeza passa por cima e não lastima: José Dirceu e José Genoino têm muito mais grandeza, despojamento, heroísmo e feitos históricos do que todos os ministros do Supremo juntos. Seguirão em frente, como já disseram. Eu já fui linchado pela mídia, na falência da Prefeitura; sei o que é isso; segui em frente.

O alvo da condenação da mídia e do Supremo não era, entretanto, o das pessoas julgadas; era o partido político, o PT, por tudo que vem fazendo na Política brasileira que tanto desagrada os interesses dominantes. Desagrada a eles mas não ao povo em geral. O espetáculo foi armado para coincidir com as eleições municipais e infligir uma derrota acachapante ao PT. Não foi este, porém, o resultado: para decepção dos acusadores, o PT mais uma vez cresceu, em número de prefeituras e em número de votos, foi o partido mais votado, com larga margem, no cômputo geral do País e nas cidades com maior número de habitantes. E, mais, a reação contrária à condenação, o sentimento de injustiça, a lembrança dos casos precedentes absolvidos, todo esse clima emocional pode levar a um avanço maior do PT nas contendas do segundo turno.

Esta é a virtude maior da democracia: a emancipação. Na medida em que sua prática se consolida e amadurece, o julgamento popular tende a se emancipar das opiniões, das pressões e das artimanhas dos grandes interesses econômicos que comandam a mídia, como acaba de acontecer, aliás, na Venezuela, coma quarta e histórica e definitiva vitória eleitoral do Presidente Chávez.

Bem, se as novas regras jurídicas prevalecerem daqui para a frente, novas condenações virão e, mesmo que possam implicar em injustiças, acarretarão mais cuidado e comedimento nas práticas generalizadas do Caixa dois no financiamento das nossas eleições futuras e, quem sabe, poderão até levar à aprovação do grande avanço institucional que será o financiamento público das campanhas. Oxalá isso aconteça.