Eric Hobsbawm: uma obra insuperável
O grande debate – “uma formidável tempestade”, conforme a expressão do historiador britãnico Richard Henry Tawney (1880-1962) – deu-se nos anos entre 1950 e 1980 na historiografia ocidental, sem dúvida alguma o mais profundo e radical [1], quando iniciou-se a publicação das pesquisas, volumosas, do historiador inglês, Eric Hobsbawm. Este, nascido em Alexandria no Egito em 1917, de origens judias, possui, na sua própria biografia, a dupla característica de um típico homem do “Empire” – as origens, a diversidade social e étnica, os amplos deslocamentos geográficos e, acima de tudo, o cosmopolitismo – com a tradição cultural judia do “fin de siècle” da Europa central [2]. Poliglota, viajante incansável, marxista desde sua juventude, profundamente humanista (embora o pessimismo tenha cobrado um preço bastante forte na sua vida e obra) [3], amante da música [4] e das artes, escritor combativo e aguerrido. Amigo do Brasil, apreciador do “chorinho” carioca, perdemos um grande intelectual, um dos poucos homens com o “coração no lado certo do peito”.
O Atlântico e a “Primavera dos Povos”
No conjunto das obras sobre o tema – “The Age of Revolution: Europe, 1789-1848”, publicada em 1962; “The Age of Capital: 1848-1875”, de 1975; “The Age of Empire: 1875-1914”, de 1987 e “The Age of Extremes: the short twenthieth century, 1914-1991”, de 1994 – esta unicidade é estabelecida com clareza, em contradição direta, e mesmo a definitiva recusa, das tradições historiográficas “whig” (liberal) e “tory”(conservadora) sobre uma pretensa especificidade da história inglesa [5].
Hobsbawm, militante comunista já em 1931, quando estudava em Berlim – ele se filiará ao Partido Comunista em 1936 – tomará da tradição historiográfica alemã o conceito de “Era”, traduzido para o inglês como “Age”, que marcarão, de forma intencional, a unicidade dos movimentos descritos e, ainda, do conjunto da obra do autor. A ideia de “Era” emerge na historiografia alemã com o seu decano Leopold von Ranke (1795-1886), quando publica seu trabalho normativo e seminal “As Grandes Potências” ( “Die Groβe Mächte”), de 1836. Para Ranke “era” é descrita conforme a palavra tomada do francês – a língua culta dos séculos XVIII e XIX – “epoche” (mais tarde, germanizada como “Zeitalter”). A “epoche”, “age”, “Zeitalter” ou “era” descreve um período cronológico que unifica e dota de um mesmo sentido, com um papel definido e um significado estabelecido na História, um conjunto de fenômenos [6].
A herança humanista alemã
Assim, os sucessivos livros de Hobsbawm, seguindo a historiografia derivada de Ranke na tradição alemã, constituem-se em uma proposição de periodização da História Contemporânea: Era das Revoluções, Era do Capital, Era dos Impérios, Era dos Extremos. Cada “momentum” na história teria seu valor especifico e seu papel estabelecido, num encadeamento dotado de sentido e de conteúdos específicos. Na recusa das tradições anteriores, Hobsbawm segue a noção de uma “História Universal” (ao menos do Ocidente), rejeitando a proposição de História “nacional” (e a constante busca metafísica das “especificidades nacionais” – “Sonderweg” ou da ação de seguidos “gênios” ou “Geist” na História -, com autonomias e especificidades, não comparáveis.
Também aqui a presença de Ranke é marcante, expressa na compreensão da História Contemporânea como uma história derivada da unidade fundamental dos povos do Ocidente, inscrita nas suas origens na decomposição do Império Romano e na emergência – abarcando agora germanos, latinos e eslavos – de uma “Res Publica Christiana”. Na Época Moderna, a grande expansão europeia trará o “Novo Mundo”, esta nova “extrema Europa”, para o conjunto da História e dará ao Atlântico o seu papel de eixo integrador do Ocidente. Assim, apropriando-se de conceitos da historiografia romântica de Ranke, mesmo que Hobsbawm mova-se para um universo marxista, os ensinamentos da Universidade de Berlin sobre a unicidade fundamental dos povos do Ocidente – e o seu corolário, toda a História é sempre História Universal – marcará a obra de Hobsbawm, assegurando seu cosmopolitismo e a universalidade de valores humanos presentes nos seus trabalhos [7].
A história de todos os homens
Para o autor – e aqui mais uma vez ele segue a tradição estabelecida na Universidade de Berlim pelo seminário de História dirigido por Ranke – a história é sempre uma história universal, só tem sentido no seu movimento conjunto e todas as épocas são caracterizadas por traços comuns, comparáveis e dotados de um “sentido”. Defini-los, analisá-los e explicá-los seria, exatamente, a tarefa do historiador.
Nesta direção Hobsbawm rompe, em função da sua visão progressista (e naquele momento ainda otimista), com duas tradições dos seus mestres na Universidade de Berlin. Recusa, de um lado, o historismo, o fato único, incomparável e sem paralelo, o que impossibilitaria, desta forma, a construção de “princípios” comuns a todos os povos e sociedades e, logo, qualquer abordagem comparativa da história dos homens. Por outro lado, recusa também a história imóvel de Ranke, a ideia-chave do conservadorismo romântico alemão de que “todas as eras são imediatas a Deus” [8].
Ora, para Hobsbawm, marxista com profundo conhecimento de Marx, a história, verdadeiramente, se move. Sua obra é a busca da compreensão destes movimentos, definidos como uma sucessão de “Eras” marcadas pela ascensão do capitalismo e o papel revolucionário, depois conservador e até reacionário das suas burguesias. Na verdade, buscando romper com o automatismo do marxismo vulgar – a famosa sucessão de “modos de produção” buscados na “Crítica da Economia Política”, de Karl Marx, de 1859, como vulgata – Hobsbawm propõe “eras” que se sucedem a partir de uma dinâmica histórica centrada no conflito – a emergência da luta de classes dirigida pela burguesia – e do progresso material. O conjunto da obra de Hobsbawm, inscrito na tradição do iluminismo, do liberalismo e do marxismo do século XIX e de boa parte do século XX – é o que chamamos uma “Stufentheorie”, uma teoria de “degraus” ou estágios.
Uma história geral do século XX
O primeiro destes “estágios” – as “eras” – descrito em “A Era das Revoluções” é o largo período das revoluções do século XVIII, já analisado por Godechot&Palmer como as “revoluções atlânticas”. Neste caso, Hobsbawm despreza, como fator explicativo e elo de unicidade, o “espaço-tempo Atlântico” – um conceito muito caro da historiografia francesa-, e estabelece nos conflitos e lutas sociais do período, em particular no impacto da emergência das burguesias, o elemento unificante de toda esta “era das revoluções”. Assim, as “revoluções atlânticas”, nomeadas em função do “espaço-tempo” por uma ampla tradição de historiadores – Godechot, Palmer, Mauro, Godinho, etc… – para o marxista Hobsbawm são nomeadas conforme seu conteúdo social e de classe: são as “Revoluções Burguesas”.
Há aqui, entre a tradição da historiografia francesa com o conceito de “revoluções atlânticas” e a emergência, com Hobsbawm, do conceito de “revoluções burguesas” mais consenso do que discordâncias. Em ambos os casos o “espaço-tempo” é o mesmo, somente diferindo a determinação da nomenclatura que recobre o fenômeno, em verdade, a ênfase, em uns autores, na luta de classes e, em outros, no papel das condições da vida material (para retomar uma expressão de Fernand Braudel). Para os franceses, buscando na geografia e no tempo longo os elementos renovadores da história (é o caso do “espaço Mediterrâneo” em Fernand Braudel e do “espaço Atlântico” em Mauro, Chaunu e Godinho) a geografia e suas transformações – pensadas como dinâmica de longo prazo das forças produtivas – determinam e conformam o fenômeno das revoluções do século XVIII. As rotas comerciais, as cidades portuárias, o aperfeiçoamento das técnicas náuticas e das ferramentas financeiras e a expansão de amplas comunidades de comerciantes-empresários em ambas as margens do Atlântico e dos seus mares “interiores” (Mediterrâneo, Mar do Norte, Mar Báltico e os “mediterrâneos atlânticos” como o Caribe e seu comércio triangular e a vertente brasileira e seu comércio triangular no Atlântico sul) são os grandes atores da História entre os séculos XVII e XIX.
Para Hobsbawm, e vários dos seus companheiros, o fulcro da explicação deve residir no seu sentido social: é o seu conteúdo de classes, a ascensão da burguesia ao poder, que determina o caráter das revoluções e que molda esta “era” da História.
A presença na historiografia brasileira
Ambas as tradições são, contudo, próximas: Godechot, Mauro e Godinho [9] – para homens vindos da “esquerda”, resistentes dos fascismos e leitores e parceiros de colegas marxistas, como Ernest Labrousse e Pierre Vilar – o diálogo é contínuo e resulta em vários pontos de concordância e de síntese comum. Assim, as temáticas sobre a Revolução dos Preços, a Revolução Comercial, a crise do século XVII, o Mercantilismo, o papel da escravidão e do tráfico negreiro na ascensão do capitalismo e o chamado “sentido capitalista da colonização moderna” – adotado entre nós por Caio Prado Júnior e desenvolvido por Fernando Novais na USP – são plenamente aceitos. Para outros, como Pierre Chaunu, haverá mais resistência.
Contudo, a centralidade da luta de classes, quase abandonada na obra do “marxista” Labrousse em favor de uma história estrutural, onde a dinâmica está mais nas forças produtivas numa longa duração, não será aceita por todos com o mesmo entusiasmo.
Na verdade o conjunto da obra de Hobsbawm sobre o tema permite a clara percepção daquilo que o historiador inglês denominou de “dual revolution”, dois processos equivalentes e, ao mesmo tempo, de caráter próprio: de um lado a Revolução Industrial inglesa – numa visão que rejeita a história historicizante tradicional centrada na “história das técnicas” e das transformações técnicas e organizacionais da fábrica – impondo um novo ordenamento social e a formação de uma nova classe dirigente; por outro lado (do Canal da Mancha), a Revolução Francesa, nitidamente “política” e que antecede a “libertação” do conjunto da sociedade dos entraves do Antigo Regime e acelera e generalização das relações sociais modernas, de tipo capitalista.
Estas duas modelagens das revoluções do século XVIII, seriam, em sua natureza, “burguesas”, mesmo quando no bojo das lutas revolucionárias grupos populares emergem em força, como “diggers” [10], “nivellers” [11], na Inglaterra, ou “sans-culottes” [12] e “bras nus” [13] na França. Por essa razão, as grandes explosões dos grupos sociais subalternos no interior das Revoluções “Burguesas” são denominados de movimentos “populares” – denominação genérica, sem claro conteúdo de classes ou, ao menos, de classe operária. Mesmo os historiadores que valorizaram, com paixão, os grupos mais pobres e sua expressão política durante as Revoluções Burguesas, como Albert Soboul, Christopher Hill (mas, não a obra “gauchista” de Daniel Guérin), recusam ver tais movimentos como uma expressão proletária.
As revoluções proletárias ainda deveriam esperar sua própria “época”, A Era dos Extremos.
Uma história das classes populares
Mesmo entre os colegas marxistas de Hobsbawm o debate sobre tais explicações será intenso, em espacial sobre o papel do desenvolvimento das forças produtivas e a luta de classes enquanto condução do processo revolucionário. Alguns historiadores marxistas, como o grupo da “New Left Review” irão retornar ao papel dominante do comércio e das rotas do Atlântico no processo de desintegração do Antigo Regime e na ascensão do Capitalismo [14].
Hobsbawm forma, desde os anos de 1930, o “Communist Party Historian Group”, quando fugindo da ascensão do nazismo na Alemanha, troca Berlim por Cambridge na Inglaterra. Aí se reunirá com outros historiadores marxistas ingleses, como Christopher Hill, Rodney Hilton e Edward P. Thompson. Tal grupo será o responsável por uma derivação cada vez mais “social” do campo da História (inclusive da história das revoluções), em recusa a derivação cada vez quantitativa da historiografia francesa.
Agora, com rumo próprio, esta nova, e radical, corrente historiográfica inglesa voltar-se-ia para a formação, comportamento e a mentalidade dos grupos revolucionários, entendendo classes sociais como uma relação forjada nas lutas sociais. Tocados pelo debate teórico marxista sobre as contingências da revolução – os fatores objetivos e subjetivos –, os historiadores ingleses descreem de qualquer automatismo econômico, buscando no interior dos grupos e classes sociais as condições de emergência de uma identidade autônoma e revolucionária. Christopher Hill (1912-2003), erudito e fiel às questões das lutas de classe na História, voltar-se-ia para o complexo mundo dos grupos sociais agrários – pequenos proprietários, arrendatários, trabalhadores sem terra e assalariados agrícolas durante a Revolução Puritana de 1640 e 1660, os chamados “diggers” e os “levellers” – os grupos radicais de sem-terra e de trabalhadores rurais como atores do processo revolucionário. Estes serão atores centrais da História, mesmo que não dirigentes do processo [15].
Vencidos em seus pendores igualitários – “um socialismo fora do tempo”, ou um “mundo de ponta-cabeça”-, tais grupos populares anunciavam, em sua agenda radical, as lutas sociais futuras. Talvez tenha sido Hill o historiador inglês que mais se aproximou das análises marxistas francesas dos grupos subalternos – como em Albert Soboul -, centrando sua pesquisa nos grupos como os “diggers” e “levellers” e na composição social do “New Model Army” [16] de Crommwell.
Revolução e História
A irrupção destes grupos sociais “populares” na cena política, de forma aberta e muitas vezes apoderando-se da direção dos eventos, só foi possível em virtude da quebra da hegemonia aristocrática durante o choque entre a burguesia em ascensão e o “Antigo Regime”, representados pela Coroa, a Câmara Alta e a Igreja. Hobsbawm será o primeiro historiador a dedicar-se a tais grupos, em obras sobre o “bandidos”, compreendidos como um fenômeno social de recusa em face da ordem.
Neste sentido os trabalhos de Christopher Hill, para o mundo rural inglês, aproximam-se das análises de Georges Lefebvre sobre as “jacqueries” (revoltas) francesas e sobre o “Grande Medo” que anunciam a Revolução de 1798. São lutas populares, radicais, de caráter agrário, que emergem pelas fraturas do Antigo Regime e como coadjuvantes, malgrado sua extrema visibilidade, no processo dirigido e apropriado pelas novas classes burguesas na liquidação do Antigo Regime.
Todos estes casos casos – Lefebvre, Hobsbawm, Hill e Soboul e de forma polêmica também Daniel Guérin – podemos constatar a nítida presença dos escritos de Karl Marx sobre as lutas sociais na França e suas análises da Revolução de 1848 e da Comuna de Paris de 1871 nas hipóteses em debate.
Coube, por fim, ao próprio Labrousse a proposta de periodização da Grande Revolução de 1789 que conceberia uma dinâmica própria das revoluções burguesas, com suas fases de radicalização e de estabilização decorrentes do movimento popular no bojo dos processos revolucionários. Na grande coleção – a tão buscada “síntese” que a historiografia francesa ergueu como meta – dirigida por Maurice Crouzet, “Histoire Générale des Civilizations” o volume sobre o século XVIII (“Le siècle XVIIIe”, com o significativo subtítulo “A sociedade do século XVIII perante a Revolução”) preparado por Labrousse ( com Roland Mousnier ), o autor propõe três grandes fases das revoluções: uma “Era das Constituições”, de 1789 até 1791, quando as propostas moderadas da burguesia são dominantes. Em seguida uma “Era das Antecipações”, de 1792 e 1795, quando as forças populares assumem a direção do processo revolucionário e imprimem a este um caráter radical (seria então a “revolução desnecessária”, de David Hume, ou a “derrapagem totalitária” de François Furet ou, se quisermos, a “antecipação” da Revolução de Outubro de 1917, conforme Karl Marx, onde Labrousse se inspira).
Dá-se, então, forte radicalização das transformações sociais e econômicas, chegando a alguns momentos a prenunciar as revoluções proletárias – incluindo aí a modelagem de formas sociais e políticas que inspirarão homens como Proudhon, Bakunin ou Marx – como a Comuna de Paris de 1793, no bojo da Revolução de 1789. Por fim, encerrando o processo revolucionário, com a retomada da direção política do Estado por parte das classes burguesas – o chamado “Termidor” -, teríamos uma “Era das Consolidações”, de 1796 até 1815 (incluindo, portanto, todo o Período Napoleônico e suas brutais consequências sobre o mundo atlântico, com suas guerras e bloqueios, culminando nas independências latino-americanas). Aqui teremos a modelagem das revoluções dos séculos XVII e XVIII e, diretamente, as pré-configurações, nas obras de Bakunin e Marx, das revoluções do século XX [17].
De qualquer forma, fica claro, no conjunto da obra destes historiadores, que a proposição de Hobsbawm sobre um amplo fenômeno revolucionário que se estenderia desde finais do século XVII até meados do século XIX, em ambas as margens do Oceano Atlântico, é aceita como configuradora de uma época fundadora do mundo atual: a Era das Revoluções.
*Francisco Carlos Teixeira é Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Notas
[1] Usamos aqui o termo “radical” na sua acepção política e filosófica, no sentido daquilo que busca “as raízes”, “radice”, sem necessariamente recobrir doutrinas partidárias com idearios contemporâneos.
[2] O próprio Eric Hobsbwam nos oferece uma deliciosa e comovente narrativa das suas relações, e lembranças, como um homem do tempo do “Empire” na “Introdução” do livro A Era dos Impérios, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1988 ( edição brasileira), pp. 13-27.
[3] Referimos-nos aqui principalmente a um dos seus últimos livros, A Era dos Extremos onde o fenômeno do nazismo, as consequências nem sempre positivas da Descolonização e do Neocolonialismo e o fracasso do socialismo de Estado e a experiência stalinista, dão ao conjunto da obra do autor um amargo sabor de revolta derrotada.
[4] Eric Hobsbawm escreveu um notável livro sobre o jazz e, nas muitas vezes que visitou o Brasil apaixonou-se pelo “Chorinho”, frequentando redutos “autênticos” desde gênero musical em bairros populares do Rio de Janeiro, em especial o “sovaco de cobra”, então no bairro da Penha, área operária carioca.
[5] O conjunto de tais obras está publicado em portugues em várias edições, daí nossa opção de não citar edições específicas, resgaurdando apenas as datas originais de edição.
[6] Em língua portuguesa tal acepção será definitivamente integrado com a obra de João Lucio de Azevedo (1855-1933), notável historiador português, em especial em “Épocas do Portugal Económico”. Lisboa, Livraria Clássica, 1929, onde claramente “épocas” remete a uma periodização. Bem mais tarde, Francisco Falcon fará uso do mesmo sentido do conceito ao nomear seu grande trabalho como “A Época Pombalina”, São Paulo, Editora Ática, 1982.
[7] TEIXEIRA DA SILVA, Francisco C. Europa ou o Concerto das Nações… Op. Cit. p. XXII.
[8] A sentença – “todas as eras são imediatas a Deus” – de Lepold von Ranke é na maioria das vezes pouco compreendida. Não se trata, de forma alguma, de um principio religioso ou uma teologia histórica. O fulcro filosófico reside em “todas” e em “imediata” e não em Deus. Recusando o idealismo kantiano, Ranke não conseguia entender a história como um contínuo melhoramento em busco de um estágio superior e mais civilizado. Da mesma forma, desprezava claramente, qualquer evolucionismo econômico. Assim, para o autor todas as épocas possuem o mesmo valor civilizacional, ou seja, são igualmente próximas a ideia maior, para ele um Deus distante. O principio então vale como uma explicação conservadora, negando qualquer possibilidade de devir histórico.
[9] Vitorino Magalhães Godinho foi um militante contrário a ditadura de Oliveira Salazar em Portugal e passou boa parte de sua vida no exílio na França, onde acaba por se tornar uma figura de destaque da históira econômico-social. Com a Revolução dos Cravos, em 1974, retornou a Portugal sendo escolhido ministro da educação do governo revolucionário. Em 1970 ganhou o “Prix de Histoire de la Marine’, conferido pela Academia de História Naval da França.
[10] “Diggers” foram os grupos populares mais radicais no bojo da Revolução Puritana , em especial entre 1645 e 1660, e que exigiam uma amplo reforma agrária com o confisco da terras de aristocratas, da Igreja Anglicana e da Monarquia. Por isso foram chamados de “cavadores”. O maior especialista no tema destes grupos, bem como dos “levellers” foi o historiador Christopher Hill, destacando o papel dos “Levellers and True Levellers. Ver: HILL, Christopher. The English Revolution. Londres, Lawrence and Wishart Ltda, 1959 e ver, do mesmo autor, God´s Rnglishman. Oliver Cromwell and the English Revolution, Clarendon, 1970.
[11] “Levellers” eram grupos populares que exigem, durante a Revolução Puritana, o estabelecimento da soberania popular (contra as prerrogativas da Coroa, da Igreja Alta e da Câmara dos Lordes), o sufrágio universal e plena igualdade civil perante às leis.
[12] “Sans-culotte”, ou “sansculotterie”, são os grupos populares radicalizados durante a Revoluçâo francesa, em especial entre 1791 e 1793, quando chegam a assumir a direção do porcesso revolucionário impondo a (primeira) Comuna de Paris. Defendiam a propriedade social, o sufrágio universal e a igualdade civil, além da República. Na sua maior parte eram pequenos artesãos, pequenos lojistas e empregados das manufaturas e comércio dos “faubourgs” pobres de Paris. O principal histopirador a tratar dos “san-culotte” foi Albert Soboul em seu trabalho Mouvemment Populaire et Gouvernement Révolutionaire en l´An II (1793-1794). Paris, Librarie Clavreuil, 1958. Ver ainda, do mesmo autor,: Naissance et Mort de la Ie. République”, Paris, Calman-Lévy, 1968 e, ainda, a coletânea Camponeses, sans-culottes e jacobinos. Lisboa, Seara Nova, 1974.
[13] Os “bras nus” – tecnicamente assalariados, sem ferramentas de trabalho – é uma categoria de dificil definição e, mesmo, de identificação por todos os especialistas no processo revolucionário. Coube a Daniel Guérin, no esforço de distinguir dos “sans-culottes”, que ao ser ver seriam ainda conservadores por seu apego à propiredade privada, um grupo social – para o autor uma classe – que seria o núcleo revolucionário do proletariado do francês. O livro de Daniel Guérin – La Lutte de Classes sous la Priemière République, Paris, Gallimard, 1968 -, com forte viés trotskista-anarquista, originou um amargo debate entre o autor e Jean-Paul Sartre e Albert Soboul, que consideravam o trabalho de Guérin teleológico ao buscar uma classe de proletários na cena histórica francesa em período tão recuado.
[14] JEANNIN, Pierre. L´Europe du Nord-Ouest et du Nord aux XVIIe. et XVIIIe. Siècle. Paris, P.U.F., 1970.
[15] Há, ainda, um famoso debate, ancilar ao tema central aqui tratado, entre Roland Mousnier, o grande especialista francês em “Ancien Régime”, e o historiador russo (soviético) Boris Porschenev sobre o caráter das revoluções agrárias no século XVII. Com George Lefebvre, Porschnev insistia na presença da luta de classes e no conteúdo anti-feudal das “jacqueries” francesas, sendo endossada sua posição por Labrousse e Pierre Vilar. Já Mousnier, contrario a qualquer conceituação de classe aplicada a sociedade de Antigo Regime – no que é acompanhado pela obra volumosa e bem documentada de Pierre Goubert, insiste em caracterizar as revoltas componesas como anti-fiscais, anti-monárquicas e, portanto, conservadoras, não compondo um quadro unificado de Revoluções Burguesas, com seu corolário de “movimentos populares”. Ver: PORCHNEV, Boris. Les Soulevements Populaire en France de 1623 à 1648. Paris, SEVPEN, Centre Recherches Historiques, 1963 e, na contramão do mesmo debate MOUSNIER, Roland. Fureurs Paysannes. Paris, Calman-Lévy, 1967.
[16] O “New Model Army” foi o exército organizado por Oliver Crommwell contra as forças aristocráticas da Coroa. Formado dominantemente pela “yomenry”, chegando a contar com 22 mil homens entre 1645 e 1660, fortemente puritano, é considerado hoje o primeiro exército porfissional da história moderna.
[17] LABROUSSE, Ernest e MOUSNIER, Roland. Histoire Générale des Civilizations. Le siècle XVIII. Paris, P.U.F., 1956.