I. Abertura l975

A Porta dos palácios não se fechou.
Há pranto no país?
Mobilizai reservas de silêncio!
Da praça onde o último canto,
o último pranto resistem,
não fuja nada
além do gesto emudecido.
É imprescindível
manter o canto sitiado.
O eco do pranto não roube
o sabor do banquete.
O sangue dos rebelados não tinja
o verde-ouro das divisas,
e haja sombra suficiente
a envolver os alicerces do "milagre"…
Não chegue o ofício da morte
além do rigoroso limite da noite.
Não se permita à mão ferida
semear a surda semente de liberdade.
 
II. A Espera

A noite rouba o contorno das coisas.
Um silêncio povoado de perguntas
habita a casa e teus olhos, mãe.
As crianças adormeceram sem resposta.
Plantada no peito
um secreta semente de inquietude.
Acidente? Os hospitais não responderam.
A noite abriga muitos perigos.
Os poderosos do dia se calam.
Há, contudo, muitos crimes no país…
… … … … … … … … … … … … … … … …
Um rumor de passos na escada.
A angústia desfeita, uma vontade
de rir dos vãos temores,
das horas perdidas de sono.
Mas a porta range
como se reclamasse mais carinho
e os sapatos na sala não têm
o jeito sossegado de quem retorna.
Tem, antes, um pisar sombrio
que marca o chão e teus olhos, mãe.
Vieram calados
como um vento de desesperança.
A chuva insiste em dissolver
os passos esquecidos no jardim.
Resta agora um silêncio maltrapilho
como o instante que precede o pranto.
 
III. O Destino

Batidas as portas.
Perdidas as chaves da sombra.
Esta é uma terra de crime.
Marco na parede o nome dos mortos
e morro no corpo de cada um
e revivo, cinza recomposta,
nos sonhos de cada um…
Lavo as feridas do tempo.
Recolho entre os dedos
a chuva e com ela componho
e com ela componho
um acalanto humilde
ao sono dos torturados.
E cada um é um só e todos,
é meu pai, meu irmão,
a noiva perdida, é meu próprio corpo
marcado pelo suplício.
E cada um é força. Semente.
E não há noite, por mais treva,
capaz de ceifar as flores,
sentinelas dos túmulos
provisoriamente ignorados…
 
IV. Persiste a Sombra

Atrás das portas abertas
a pedra dos muros vigia,
a sombra dos mortos persiste,
o grito dos vivos corrói
as paredes da noite.
Os poderosos do dia se calam.
Há, contudo, muitos crimes no país…
Marco nas paredes da cela
o nome dos esperados
e espero no corpo de cada um.
Revivo, cinza recomposta,
nos sonhos de cada um.