Sorocaba, Sexta-feira Santa de 1973

A Vossa Benção

Ajoelhada aos pés de Vossa Santidade, chorando, abro-lhe meu coração dilacerado de dor. Diante de Vós, Representante de Cristo na Terra, uma pobre mãe ousa dizer-vos que sofre hoje como Maria Santíssima, vendo o martírio de seu Filho. Maria, porém, pôde acompanhá-lo até o último alento. Pôde banhar de amor e lágrimas o Corpo exangue de seu Divino Filho, que fora preso, julgado, torturado e morto. Enquanto se comemora o 25º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o 10º aniversário da "Pacem in Terris"; enquanto os Bispos do Brasil acabam de se comprometer publicamente, em Assembléia Plenária, a denunciar todos os desrespeitos aos Direitos Humanos no país; enquanto se fala em "Campanha da Fraternidade", dentro da Quaresma, nestes mesmos dias, um jovem universitário, de 22 anos, meu filho, Alexandre, todo ideal e doação, foi sumariamente assassinado pelos órgãos de repressão do Governo, justamente por lutar pela vigência dos Direitos Humanos no Brasil e por se colocar ao lado da Justiça e da Liberdade.

Quem vos escreve é uma mulher do povo, a quem lhe mataram o primogênito dos seis filhos, recusando-lhe até mesmo a entrega desse corpo. Tudo me foi tirado: um filho, o consolo de vê-lo após a morte e o direito mais legítimo de o sepultar.

Creio que o meu grito de dor já penetrou os céus. Creio que a morte de meu filho tem um sentido que talvez escape a mim, envolta na dor e na saudade.

Creio que ele está ressuscitado, enviando-nos, da parte de Cristo, luzes e forças a todos nós que somos a Igreja. A Igreja do século XX, de quem ele esperava tanto e que ainda nos parece temerosa e comprometida, tantas vezes.

Algumas vozes isoladas se levantaram contra essa bárbara injustiça perpetrada contra um jovem indefeso, cujo único crime foi ser bom, honesto, estudioso e ter uma visão clara de nossa dura realidade brasileira. Realidade essa que só o povo conhece na sua jornada diária de trabalho, explorado na fome, na repressão, na tortura e na morte.

Mas, essa vozes que clamaram, logo após silenciaram, frágeis por não se levantarem em uníssono e por ser o Governo o grande terrorista, sufocando qualquer voz que surja contra ele.

É por esta razão que me atrevo a vos escrever, Seja vossa voz a Voz de Jesus Cristo, clamando contra o sangue derramado de seus irmãos, sangue que brada por justiça. Que a vossa voz desperte os cristãos acovardados ante a força da repressão, para que não se intimidem com as prisões arbitrárias, com as torturas psíquicas e físicas e com os assassinatos friamente executados.

Seja vossa voz ouvida na ONU, e chegue até as autoridades deste meu país, autoridades que nós não elegemos democraticamente, mas que assim mesmo ainda acataríamos se de fato se redimissem pelo respeito aos mais sagrados Direitos Humanos.

Santo Padre, como gente, como cristã, como mãe, a quem roubaram diabolicamente o primogênito, uma só coisa desejo e vos peço – aquilo que vos sempre pedis e desejais: "Justiça e Paz". Só isso, tudo isso!

E que a vossa bênção me seja força para continuar a lutar, a crer e esperar, juntamente com meu dileto esposo José e os restantes cinco filhos: Maria Regina, Maria Cristina, Míriam, José Augusto e Beatriz

Vossa filha

(a) Egle Maria Vannuchi Leme