O jornalista, autor e ativista britânico-paquistanês Tariq Ali presidiu um comício em frente à embaixada equatoriana em Londres, em 19 de agosto. Chegou antes do editor-chefe do WikiLeaks, Julian Assange, que teve seu discurso amplamente divulgado. Ali também fez dois discursos. No segundo, ele falou sobre como Assange e o WikiLeaks tinham encontrado apoio no Equador e na América Latina em geral – e destacou os movimentos revolucionários que varreram o continente para desafiar os EUA em sua dominação corporativa. Discurso transcrito abaixo.

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Eu penso que muitos aspectos desta situação atual ainda não foram compreendidos. E isso precisa ser debatido – especialmente no mundo ocidental. Por que um cidadão australiano, enfrentando acusação de um país europeu, decide pedir asilo a uma república sul-americana?

E a razão para isso é que, nos últimos dez a 15 anos, grandes mudanças foram realizadas na América do Sul. Mudanças estas, que favorecem este povo.

Por muito tempo, como a maioria de vocês sabe, a América do Sul era governada por ditaduras militares, de uma forma ou de outra – apoiada pelos Estados Unidos e seus parceiros europeus com permissão para fazer o que quisessem.

Eles foram ensinados a torturar pelos EUA, foram ensinados a matar, e continuaram a fazê-lo até que as mudanças ocorreram. E as mudanças começaram por razões econômicas e sociais, deve-se salientar isso.

As mudanças começaram quando o povo da Venezuela, que foi o primeiro, bradou:

“-Basta! Opomo-nos à regulamentação do Fundo Monetário Internacional e às regras de controle financeiro determinadas pelo Banco Mundial. Nós não gostamos de neoliberalismo, nós não apreciamos a forma como estes oligarcas estão governando o nosso país, nós não queremos viver em um mundo onde tudo é privatizado, onde não há nenhum setor público!”

E isso foi o estopim!

Assim, houve mais eleições na Venezuela do que em qualquer outro lugar do mundo desde então. Referendos, campanhas, tudo conquistado pelos bolivarianos, com o movimento revolucionário liderado pelo presidente Hugo Chávez. Há uma nova Constituição, em que a população tem o direito, se assim o desejar, de coletar uma petição para eleger um novo presidente, podendo este ser chamado antes da próxima eleição regular.

O modelo venezuelano, de diferentes maneiras, conseguiu se espalhar. Espalhou-se para a Bolívia, para o Equador, por um tempo para o Paraguai, onde o presidente Fernando Lugo foi derrubado em um golpe parlamentar por forças alinhadas aos grandes interesses de proprietários de terras, também em Honduras, onde presidente esquerdista Manuel Zelaya foi derrubado em um golpe de Estado militar em 2009.  Tendo isso um certo impacto no Brasil.

E, assim, não temos essa conjuntura norte-americana em alguns países sul-americanos. Eles têm o petróleo, além de outras fontes e recursos naturais. Já acordaram e não permitem que essa riqueza seja combustível para monstros capitalistas e já não desejam que ela seja drenada para banqueiros. Hoje investem em educação gratuita, em hospitais e criam novas universidades para as classes carentes.

Agora se recusam a seguir o modelo ocidental capitalista, onde tudo é privatizado – incluindo os exércitos e a força policial. Tudo está sendo privatizado. Os serviços de trem aqui são privatizados, enquanto na América do Sul estão tentando retomá-los para a esfera pública.

Agora que se erguem governos democráticos na América do Sul – na minha opinião –, os direitos humanos, bem como, melhores condições de exercício da cidadania, são garantidas para seus cidadãos, além de muitos serviços públicos ofertados com melhor qualidade do que na Europa ou Estados Unidos.

E é por isso que Julian Assange pede asilo ao Equador, porque este é um país que está determinado a ser independente. O Equador pediu à base militar norte-americana de Manta para deixar o país. E quando os Estados Unidos se opuseram, Rafael Correa, presidente do Equador, disse, “Ok, se você quer uma base aqui, vamos ter igualdade. Por que não podemos ter uma base militar na Flórida?”

E por fazer esta pergunta foi considerado louco. Não havendo acordo, retirou-se a base americana do território equatoriano.

Hoje o Equador tem uma nova Constituição que defende os direitos humanos e uma séria responsabilidade em defender ecologicamente este país, sem contar que agora dobrou os investimentos para áreas sociais.

Para mim, direitos humanos não significam nada, se não existem direitos civis garantidos para os cidadãos de um país.

E são essas mudanças na América do Sul que agora trago à tona, por conta deste evento.

É por isso que Julian Assange apelou para o Equador seu asilo, e é por isso que nesta próxima semana irá receber apoio da maioria dos países sul-americanos (a União de Nações Sul-americanas, que une os governos de 12 nações sul-americanas, votou sobre o apoio à decisão do Equador em 19 de agosto).

Os europeus, seus governos e cidadãos, se desejarem, podem aprender muito com a América do Sul atualmente, desde que mudem sua visão de mundo.

O olhar da Europa está constantemente fixado na direção da América do Norte. Portanto, devem transferi-lo para a América do Sul. Talvez, assim, as condições de vida dos civis que vivem na Europa melhorariam.

Apesar desta enorme crise social e econômica, eles continuam como se nada tivesse acontecido. E, se, para eles, nada acontece, digo para pessoas comuns que vivem neste país, independentemente da sua classe, seu credo ou cor, ainda é possível ter indignação e reagir a este modelo.

A América do Sul oferece o início de um modelo contra este que se impõe e degrada a vida.