Realizado em Salvador no dia 14/8, o seminário teórico reuniu representantes do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Comunista da China (PCCh). Esta é a quinta edição da série de troca de experiências acordada pelos dois partidos em 2004 e iniciada em 2008.

Na primeira mesa do seminário teórico PT- PCCh sobre as inciativas para a construção de sociedades menos desiguais, o PCCh apresentou o painel Principais práticas e experiências da China na construção de uma sociedade harmoniosa socialista. O palestrante Leng Rong é membro suplente do comitê central do PCCh e ministro do centro de pesquisa de documentação do PCCh. O PT apresentou o painel Principais experiências e ações do governo Dilma na construção de um Brasil sem miséria, tendo como palestrante Sérgio Gabrielli, secretário de Planejamento do Governo da Bahia e ex-presidente da Petrobras.

China: A construção de uma sociedade harmoniosa, por Leng Rong

Leng Rong iniciou sua apresentação enfatizando que desde 2002 a China tem buscado a construção de uma sociedade baseada na harmonia, para dar conta do sentimento de insatisfação verificada no país, resultado do desequilíbrio dos desenvolvimentos econômico e social.

Os sinais de alerta de que algo precisava mudar no país vieram de duas direções, de acordo com Rong. O primeiro alarme soou em 2003 com a epidemia da gripe suína, quando ficou claro que o desenvolvimento na saúde e no atendimento médico não acompanharam o desenvolvimento econômico. O segundo veio do crescimento de reclamações em massa, resultado de insatisfações em diferentes áreas.

Para Rong, mudanças sociais sem precedentes estão ocorrendo no país, que cresce num ritmo acelerado de 10% ao ano, o que provoca o rápido desenvolvimento que encheu a sociedade de vitalidade, ao mesmo tempo em que fizeram surgir e crescer os problemas decorrentes disso, como a expropriação estatal de terra rural, demolição urbana, reestruturação das empresas estatais, conflitos trabalhistas, poluição ambiental, injustiça judiciária etc. Tudo isso ainda agravado pelo atraso em áreas sociais como as de emprego, saúde, educação, segurança social e cultura.

As contradições sociais também mostraram problemas em áreas como a da gestão social que, segundo Rong, não tem dado resposta à nova conformação do mundo do trabalho que conta hoje com a informalização das relações trabalhistas, a migração dos camponeses para as cidades em busca de trabalho. Outro problema apontado por ele foi o ordenamento jurídico, que não acompanhou a velocidade das transformações sociais. Ele também falou sobre outros fatores que influenciam a mudança do comportamento da população chinesa como o crescimento da consciência de democracia e defesa dos direitos, a divulgação de grande variedade das informações que se espalha rapidamente e realizar a forte interação entre a variedade de pensamentos e culturas.

O representante do PCCh enfatizou que essas contradições e problemas são abrangentes e profundos e foram originados pela passagem de um sistema econômico planificado para o sistema econômico de mercado, nos quais os interesses se diversificam. O partido, segundo ele, está profundamente consciente de que a reforma e o desenvolvimento na China já chegaram num período crítico e tem claro que o sucesso ou fracasso de sua causa dependem da capacidade de resolver adequadamente essas contradições sociais.

Para resolver esses conflitos, o PCCh foca na necessidade de solução das questões sociais que incidem diretamente na população: emprego, saúde, educação como ponto de partida. As iniciativas, segundo Leng Rong, precisam atacar as múltiplas faces desses conflitos e contradições levando em conta vários aspectos da construção econômica, construção política, construção cultural e construção ecológica; e ao mesmo tempo promovendo esforços para construir uma sociedade de direito e democracia com equidade e justiça, honestidade e fraternidade, vitalidade, estabilidade e ordem, e também a harmonia entre ser humano e natureza.

Em relação à construção social, segundo Rong, o partido segue os preceitos do documento Construir uma sociedade socialista harmoniosa. Ele enfatizou que para o partido, “o socialismo devia ser uma sociedade com pleno desenvolvimento e progresso construída sobre a base de forças produtivas altamente desenvolvidas”. Essa compreensão, segundo ele, é essencial para a implementar a construção social e que desde que esse conceito foi apresentado, uma parte dos conflitos já foi atenuada.

Brasil: a construção de um país sem miséria, por Sergio Gabrielli

O secretário de Planejamento do Governo da Bahia e ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, fez uma retrospectiva sobre a herança deixada pelos governos anteriores, falou sobre a inflexão social realizada pelos dois governos do presidente Luis Inácio Lula da Silva, apontou as perspectivas do Brasil no mundo e tratou das iniciativas tomadas pelo governo da presidenta Dilma Rousseff e as correções de rumo necessários para que o país siga crescendo com distribuição de renda. Ele detalhou as inciativas na área social e econômica nos dois três mandatos que o PT está à frente do governo federal.

No painel Principais experiências e ações do governo Dilma na construção de um Brasil sem miséria Gabrielli falou sobre o modelo econômico adotado no país até 2003, voltado a apenas um terço da população. Dois terços estavam à margem da política econômica e das políticas de governo. Até então, segundo Gabrielli, o Brasil vivia na órbita da ALCA e das exportações, com predominância do mercado, o pressuposto de redução do Estado e a limitação do diálogo e a participação social.

Para Gabrielli, o governo Lula foi responsável por instituir no país um modelo de desenvolvimento com distribuição de renda e compromisso social que visava retirar da pobreza todos os brasileiros, garantindo direitos sociais à grande maioria da população. Um dos aspectos destacados por Gabrielli foi a adoção de mecanismos de participação social na gestão da política pública, com a criação de conselhos, a adoção de mecanismos de diálogo social e o estreitamento da relação entre Estado com movimentos sociais.

Do ponto de vista econômico, Gabrielli focou na mudança do comportamento do governo, que passa a ser um promotor do desenvolvimento e do crescimento. Para isso foram reforçados o papel dos fundos de pensão e dos bancos estatais no financiamento do desenvolvimento; redefinidos os critérios de uso de fundos dos trabalhadores como o FGTS e o FAT, entre outras medidas. Paralelamente às políticas de financiamento do desenvolvimento, foram tomadas medidas que beneficiaram os trabalhadores do campo e da cidade, como a política de longo prazo de valorização do salário mínimo, a consolidação da aposentadoria rural, a formalização das relações de trabalho (carteira assinada). Esse conjunto de ações, segundo Gabrielli, promovem a atividade econômica e impulsionam as políticas sociais, o que propiciou a retirada de milhões de pessoas da faixa da extrema pobreza.

Outra medida citada pelo ex-presidente da Petrobras foi a consolidação dos programas de transferência de renda voltados para a população de mais baixa renda no país como o Bolsa Família, que provocou uma intensa modificação da renda familiar e impulsionou o desenvolvimento local de cidades pequenas na região Nordeste e na periferia das grandes capitais.

O fortalecimento do mercado interno foi apontado por ele como um dos fatores responsáveis pelo fato de o Brasil ter se saído bem no enfrentamento da crise internacional. Com o aumento do consumo e o investimento intensivo dentro do país foi possível manter o crescimento brasileiro.

A política social adotada pelo governo Lula, que envolve distribuição de renda direta às famílias, melhoria das condições de vida da base do mercado de trabalho, intensificação da atividade econômica, e mobilização da poupanças privadas brasileiras para viabilizar financiamento dos investimentos, se consolida também no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) que em última instância, no segundo governo Lula, focou nos programas de investimento que buscavam acelerar a eficiência do setor público de transformar ideias em ação.

Para Gabrielli, a presidenta Dilma Rousseff assume o governo nessas circunstâncias e avança na formulação de novos programas. O novo governo reafirma seu posicionamento em relação à crise financeira; aprofunda a política de aproximação entre os países emergentes; continua a linha de crescimento interno; a política de salário mínimo, faz ações para diminuir impacto do excesso das reservas internacionais sobre a taxa de câmbio e força a ampliação do crédito no país. Todas essas ações mantiveram o país crescendo até o ano passado, mas já no primeiro trimestre de 2012, o país começou a sentir o resultado da crise internacional, especialmente na indústria.

Do ponto de vista social, o país teve avanços, segundo Gabrielli: a instituição do programa Brasil Sem Miséria, focado na eliminação da miséria até 2015; o programa de inclusão produtiva no campo, buscando atingir 235 mil famílias; o programa de aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar; a intensificação do programa Água para Todos; a criação do programa Bolsa Verde; o Pronatec; a ampliação dos gastos sociais em educação e saúde entre outros.

Ao final, Gabrielli apontou áreas nas quais o governo federal deverá fazer investimentos para garantir o ritmo de crescimento desejado. Ele enfatizou que o desenvolvimento regional enfrenta o problema da limitação da infraestrutura nacional e que investimentos estruturantes terão que ser feitos para garantir as condições logísticas de transporte de massas das ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. Outro ponto que o governo deveria atacar, segundo Gabrielli, é a reforma tributária, em especial a política de desoneração dos investimentos e da produção industrial com base no PIS/Cofins.

 

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