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O ingresso oficial da Venezuela no Mercosul trouxe à baila, na imprensa comercial e nos discursos de determinadas lideranças políticas conservadoras do Brasil, uma série de mistificações.

Antes de qualquer consideração, queremos deixar claro que a CUT entende como positiva a participação do país vizinho no bloco comercial. Por diferentes razões, como procuraremos explicitar adiante, e a despeito de dificuldades, próprias a um projeto de integração regional, que certamente teremos. De pronto, também é necessário acrescentar que essa integração não pode prescindir da ação sindical dos trabalhadores, sob o risco de, na sua ausência, reproduzirmos injustiças já cometidas na formação de blocos comerciais internacionais.

Porém, mesmo correndo o risco de repetirmos argumentos apresentados em outros textos já publicados, queremos desfazer alguns enganos que as vozes conservadoras apresentam (a estas, sem dúvida, numerosas e com instrumentos de comunicação abrangentes a servi-las, pouco importa a repetição sem fim de seus argumentos, ainda que sem conexão com os fatos).

Uma das impressões que ficam, no emaranhado de informações que pululam, é a de que o país governado por Hugo Chávez é tão hostil que o empresariado quer se manter afastado de lá. Mentira.

Em recente artigo publicado pelo economista Luciano Wexell Severo no portal Carta Maior, encontramos agrupados alguns dados que solapam aquela tese. E confirmam o óbvio: onde há riquezas naturais e mercado consumidor, lá haverá investimento privado, incluindo estrangeiro – salvo, como em Cuba, se o país estiver sob embargo comercial.

Apenas para citar empresas privadas brasileiras, na Venezuela atuam, em grandes obras e projetos de infraestrutura atualmente em curso, Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Braskem, Ambev, Gerdau, entre outras. Dando suporte creditício a esses projetos, está o estatal Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entre as empresas estrangeiras que lá atuam em investimentos novos, pós-Chávez, o texto do economista cita a francesa Alstom. Por um lado, essa simples lembrança evoca a evidente constatação de que o mercado venezuelano é atrativo e, portanto, justificada está, economicamente, sua adesão ao Mercosul. Dados mais abrangentes confirmam: em 2010, as vendas brasileiras para a Venezuela atingiram US$ 3,8 bilhões, contra os US$ 600 milhões registrados em 2003, ano que marca o início de uma política de aproximação comercial e estratégica com o vizinho.

Antes que digam, apressada e automaticamente, como fizeram em ocasiões como da revisão das tarifas de energia na parceria Brasil-Paraguai, de que nosso País comporta-se apenas como um benfeitor ingênuo, é preciso lembrar que, no mesmo ano de 2010, o Brasil importou da Venezuela US$ 832 milhões. Não que elogiemos aqui essa assimetria na balança comercial entre as duas nações, visto entendermos que a integração deve ter como um dos princípios a redução dessas desigualdades, mas sacamos tais dados para desmentir aquela falsa ideia propalada pela mídia.

Por outro lado, a interpretação dos dados agrupados pelo economista, ex-assessor do governo venezuelano, coloca em xeque a noção, apresentada como verdade pronta pelo noticiário hegemônico, de que a Venezuela vive uma permanente instabilidade institucional nociva aos negócios. Outro dado significativo a esse respeito é a de que houve processos de estatização de empresas privadas na Venezuela através de pagamento de indenizações aos antigos proprietários – informação sempre sonegada pela mídia.

A Venezuela detém importantes jazidas não só de petróleo, mas de diferentes minérios. Há uma grande demanda por projetos de infraestrutura, e uma população de mais de 29 milhões de habitantes. Por suas ligações fluviais com o território brasileiro e por possuir acesso privilegiado ao Atlântico via Mar do Caribe, tem tudo para ser parceiro estratégico com o objetivo de escoar a produção de parte do território nacional. Haverá, por certo, outros argumentos econômicos mas, por ora, fiquemos apenas nesses.

Existe sobretudo a questão política, onde residem as mais insistentes e pueris mistificações. Determinados jornalistas e articulistas publicam, sem corar, mentiras sobre a forma e as motivações do ingresso da Venezuela no Mercosul. Que essa decisão só teria sido tomada depois de o Paraguai ter sido afastado do bloco após a queda de seu presidente Fernando Lugo, ou de que a presidenta Dilma teria “forçado a barra” para que o ingresso venezuelano ocorresse.

Porém, uma simples consulta em arquivos virtuais desses próprios jornais mostra que o debate vem se dando há anos, e que a decisão de aceitar a Venezuela foi sancionada pelos poderes legislativos de todos os países-membros, muito antes que alguém pudesse prever os acontecimentos ocorridos no Paraguai. Esquecem-se de dizer, inclusive, que a exigência de preservação do processo democrático interno como premissa para que um país-membro permaneça no bloco é fruto de consenso entre todos os integrantes do Mercosul.

Ademais, esse argumento de que a entrada de um país no Mercosul não deveria ter componente político algum é profundamente contraditório porque é, igualmente, um componente político. Quem defende a ausência da política – como se isso fosse uma possibilidade – nada mais faz do que brandir uma determinada concepção política. Para não nos determos mais nesse debate, acrescentamos apenas que se os países governados por forças progressistas na região só aceitassem pares de igual inclinação, a Colômbia de Uribe não teria participado.

O que de fato temem os conservadores é a consolidação de um bloco comercial e político que possa, à semelhança do que já ocorre com os Bric’s (Brasil, Rússia, Índia e China), tomar decisões e interferir na política global sem estar sob a intervenção dos Estados Unidos e da Europa.

Essa também é, conforme lembrou recentemente o pesquisador e professor da Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel, a razão de analistas terem por hábito usar as regras e os métodos adotados pela União Europeia e a OTAN como referência e, com frequência, afirmar que, fora desses modelos, não haveria chances de sucesso. A respeito disso, o mesmo Stuenkel declara: “Acredito que o verdadeiro desafio é pensar fora do padrão, considerar novas ideias, criar algo que nem existe ainda e não entrará em xeque quando algum problema bilateral entre seus membros aparecer”.

É isso que o Mercosul, na fase que vive, tem procurado fazer. A nosso ver, é uma boa abordagem.

E se o novo precisa ser criado, jamais devemos esquecer que essa integração regional, com todos os desafios e problemas que surgirem, não pode abrir mão do movimento sindical. A integração deve incorporar mais que as demandas do mundo do trabalho, e acolher as propostas dos trabalhadores organizados.

De parte da CUT, em seu papel protagonista, a tarefa é liderar o esforço pela estruturação e consolidação de sindicatos fortes e autônomos em nossa região e promover uma efetiva interlocução, com o objetivo de pressionar o Mercosul a incorporar nossas bandeiras e propostas em todos os países-membros.

No cerne de nossas propostas, a luta por um novo modelo de desenvolvimento que coloque o trabalho como eixo prioritário das ações, em que os direitos trabalhistas e a dignidade salarial sejam preocupação permanente das políticas a ser construídas.

Será necessário que façamos todos os esforços para que atuação de empresas brasileiras ou estrangeiras na região não reeditem práticas predatórias, sociais e ambientais, tristemente consagradas pelos grandes grupos transnacionais. Devemos construir, em todos os espaços desse Mercosul, a promoção e geração de empregos de qualidade e o aperfeiçoamento dos padrões de proteção social e trabalhista. O movimento sindical deve ser considerado como interlocutor a ser consultado e plenamente integrado aos processos decisórios.

*João Felício, secretário de Relações Internacionais da CUT; Artur Henrique, secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT.