"Esse destemor, carregado de desinformação política, acabou se transformando numa intuição que foi fundamental para aquela virada de página do fim dos anos 70".

 

Meu depoimento sobre a decretação do Ato 5 pode fugir um pouco à regra dos depoimentos que vêm sendo divulgados nesta triste comemoração de 30 anos.

No dia 13 de dezembro de 1968 eu era um torneiro mecânico da Villares, em São Bernardo do Campo, e não exercia nenhuma militância política nem sindical, já que apenas no ano seguinte eu ingressaria nesse mundo novo.

Ao contrário, portanto, do meu irmão Frei Chico e dos vários companheiros ligados a organizações de esquerda que passei a conhecer no ano seguinte no sindicato, para quem o Ato 5 trouxe um impacto pessoal e direto muito forte, para mim não existiu nenhum grande choque.

É claro que a situação política do país sofreu uma alteração radical, passando a existir uma ditadura declarada, com o Congresso Nacional fechado, novas cassações, prisões, o fim do habeas-corpus, mais dificuldades para a atividade sindical e estrada aberta para a repressão, prisões e torturas.

Mas quero chamar a atenção para esse paradoxo: os companheiros ligados às organizações clandestinas de esquerda, por conhecerem profundamente os perigos da repressão e do novo estado de coisas, terminavam assumindo uma atitude de tanta cautela e receios (mesmo estando cobertos de razão para isso), que acabavam não tendo como propor e encaminhar a reviravolta na vida sindical que minha geração passou a preparar desde 1975.

Lembro-me de um encontro que me arrumaram com Giocondo Dias, do PCB. Ele não conseguia entender o nosso destemor nas assembléias e muito menos os discursos como os feitos pelo companheiro Ratinho, gritando que o Brasil só iria encontrar seu rumo quando o sangue estivesse batendo nas canelas.

Esse destemor, carregado de desinformação política, acabou se transformando numa intuição que foi fundamental para aquela virada de página do fim dos anos 70, quando o Ato 5 já ia chegando ao fim.

De qualquer forma, o Ato 5 deve ser visto, sim, como um reinado de terror, de agressão à democracia, que macula definitivamente as lideranças políticas de direita que ainda sobrevivem hoje, e que o programa Fantástico recentemente trouxe à tona a partir de gravações impressionantes.

Constatar que o Ato 5, esse monstrengo ditatorial, é hoje uma coisa quase inacreditável traz uma sensação confortável, que nos faz sentir o quanto nossa luta tem valido a pena e o quanto de avanço já conseguimos acumular.

*Presidente de honra do Partido dos trabalhadores.

 

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