O Foro de São Paulo realizou no dia 05 de julho, em Caracas, o II Seminário sobre governos progressistas e de esquerda. O evento promoveu debates sobre a situação do neoliberalismo e a democratização da comunicação, do poder judiciário e dos processos eleitorais; sobre as conquistas atuais e metas futuras de bem-estar social nos países governados pela esquerda; e sobre a situação do setor primário exportador e os desafios da industrialização. A primeira edição do Seminário foi realizada no Rio de Janeiro, de 30/6 a 1/7 de 2011.

Guillermo Gomez Santibãnez: a América Latina pode pensar por si mesma

O mestre em Teologia e diretor do Centro Interuniversitário de Estudos Latinoamericanos e Caribenhos da Nicarágua, Guillermo Gomez Santibãnez, foi convidado pelo Foro para falar sobre democratização da comunicação, do poder judicial e dos processos eleitorais. Durante sua exposição, o estudioso citou pensadores revolucionários que ajudaram a construir o pensamento de esquerda no mundo, em especial na América Latina.

Um dos maiores problemas apontados por Santibãnez está no processo de convencimento feito para que o povo latinoameriano e caribenho acredite não ter capacidade de pensar a própria história. “É a desmemória, o fato não sabermos pensar acerca de nós mesmos”, disse o estudioso nicaraguense.

Alguns afirmam, segundo ele, que a América Latina é a região mais democrática do mundo. Santibãnez, porém, discorda dessa tese e defende que o que ocorreu em diferentes momentos da história foi o advento de momentos de saída para processos democráticos, o que não quer dizer que houve uma passagem automática para a democracia. Para Santibãnez, é preciso repensar e resignificar a democracia  para que os países da região a encontrem.

Sobre os meios de comunicação, Santibãnez afirmou que eles obstruem a liberdade de opinião em nome da liberdade de imprensa e que "na era da globalização, os meios se constituíram como instrumento privilegiado para expansão do pensamento único". E afirmou, citando Jean Paul Sartre, que somente os atores sociais tem o direito de tirar suas próprias conclusões. 

Alba Carosio: o futuro das políticas de bem-estar social

As conquistas e metas futuras do bem-estar social nos países governados pela esquerda foi o tema abordado por Alba Carosio, professora e psquisadora da Universidade Central da Venezuela e coordenadora, na Clacso, do grupo de trabalho “Feminismo e Mudança Social na América Latina e no Caribe”.

A conjuntura política atual na região, segundo Carosio, mostra que a esquerda latino-americana governa diversos países que, mesmo de diferentes matizes, tem em comum a busca pelo fim das desigualdades impostas por décadas de políticas neoliberais, acreditando na presença do povo como protagonista.

Em alguns casos, segundo ela, essa superação do neoliberalismo se deu por meio constitucional – como na Bolivia, no Equador e na Venezuela -, com o reconhecimento da diversidade e a compensação histórica dos grupos tradicionalmente oprimidos, como os indígenas e os portadores de necessidades especiais.

As iniciativas de governos de esquerda, com prioridade às políticas sociais, foram as responsáveis por mudarem os indicadores na região. Tudo isso se deu quando o Estado retomou as rédeas nas áreas de saúde e educação, impulsionou as redes sociais com fortalecimento de políticas de microcrédito, e impulsionou a seguridade social, entre outras medidas.

Entre os desafios apontados por Carosio, estão o aumento das políticas de bem-estar social, a manutenção da distribuição de renda (sem diferenciação de sexo, idade etc), e a manutenção da proteção aos mais vulneráveis.

Victor Alvarez e Osvaldo Martínez: a hora é de buscar um novo paradigma de desenvolvimento

Para o debate sobre o papel do setor primário exportador e os desafios da industrialização, foram convidados Victor Álvarez, economista e membro do Conselho director do Centro Internacional Miranda, da Venezuela, e Osvaldo Martínez, economista da Comissão de Assuntos Econômicos do Parlamento de Cuba.

Victor Álvarez enfatizou a necessidade de que seja superado o extrativismo, pois este seria um modelo de acumulação baseado na obtenção da renda pela exploração de recursos naturais e energéticos, sem que sejam agregados valores. E citou o exemplo dos países que exportam suas matérias primas brutas, objetivando somente a renda. Essa situação, segundo Álvarez, só mudará se a mentalidade do ganho fácil for substituída por uma nova cultura de investimento e de trabalho. Ele também defendeu o incremento da ciência e da tecnologia para exportar com maior valor agregado, o que permitiria substituir as importações.

O economista citou o exemplo da Venezuela, que investe uma parte da renda da exportação do petróleo em políticas sociais e outra nos fundos de desenvolvimento nacional, o que permite minimizar os efeitos negativos da política petrolífera internacional. Álvarez disse ainda que em seu país a industrialização em substituição às importações foi um processo subsidiado pelo Estado. 

Quanto ao novo modelo de desenvolvimento, Álvarez enfatizou que o verdadeiro desenvolvimento humano só será alcançado a partir de um novo acordo social, político e econômico que garanta as condições básicas para que se chegue ao maior nível de felicidade possível para o povo. "A noção de desenvolvimento limitada ao crescimento do PIB, (…) não pode cumprir a promessa de melhorar a qualidade de vida, o bem-estar e a felicidade de todos os cidadãos", finalizou o economista venezuelano.

Osvaldo Martínez expressou quatro cenários atuais da região: a satisfação e orgulho pela criação da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) como um resgate latinoamericano; a abundância que vive a América do Sul mesmo em meio à crise internacional, a contraofensiva imperialista dos Estados Unidos e a polêmica da reprimarizacao x extrativismo x industrialização. A Celac, segundo Martínez, é um dos sucessos mais importante dos últimos 200 anos por expressar o caminho do fim da Organização dos Estados Americanos. "A América Latina é um espaço geográfico; é uma só nação, dividida em mais de vinte estados soberanos. E hoje existe um sentimento de pertencimento", enfatizou o economista.

Martínez lembrou que outras crises batiam de frente nos países da periferia mas hoje, ao contrário, a América do Sul vive um momento de bonança. A existência de governos de esquerda e progressistas constituiu-se como um paliativo para que a crise impactasse com  menos força. Essa bonança segundo ele, deve ser aproveitada para avançar na redução da desigualdade social e resgatar o sistema de educação, entre outras medidas.

O economista afirmou que os Estados Unidos e a Europa estão envolvidos na própria crise e sem propostas para seduzir a América Latina, o que resulta na impossibilidade da ALCA ou de alguma outra proposta de associação estratégica Europa-América Latina. O economista também alertou para a contraofensiva dos EUA, que perdeu terreno na área econômica, mas ainda tem poder militar e midiático – e, ao mesmo tempo, precisa dos recursos naturais existentes na América Latina.

Para finalizar, Osvaldo Martínez disse ser necessário buscar um novo paradigma de desenvolvimento, levando em conta a saída do extrativismo, de forma sustentável e com agregação de valor. Segundo Martínez, não se deve falar em reprimarização porque a experiência histórica não reconhece nenhum país que tenha se desenvolvido com base no produto primário. A saída para que a região venha a ser profundamente integrada e culta no futuro, segundo ele, é potencializar o gasto em educação, desenvolver o mercado intra latino-americano e articular medidas de saida do extrativismo.

Atualizado em 10/7/2012 às 18h35

 

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