" Tive a oportunidade de participar desse processo atuando no movimento do magistério mineiro. Em 1979 (…) realizamos uma greve de 40 dias, mobilizando cerca de 200 mil professores"

Nunca será demais sublinhar a importância social e política das greves operárias de 1979 e 1980, tanto as do ABC paulista quanto as de outras regiões do país. Pode-se classificá-las, sem nenhum exagero, de históricas, porque tiveram um impacto espetacular na consciência nacional e contribuíram de modo decisivo para forjar uma nova etapa da vida brasileira. Com elas, no dizer de Éder Sader, que escreveu a melhor crônica analítica do período, novos personagens entraram em cena e produziram alterações qualitativas no próprio cenário, dando dimensão popular à luta contra a ditadura (mesmo que essa não fosse a sua intenção consciente) e subvertendo o monopólio da política pelas elites tradicionais. Para lembrar a feliz expressão de Antônio Callado, aquelas greves, com suas formidáveis manifestações de massa e comovedora solidariedade civil, “ampliaram o horizonte do possível”. Sem elas, dificilmente as classes populares teriam conseguido, como conseguiram nas décadas seguintes, superar a sua condição de objeto da política conservadora, ou no máximo de aliado subalterno dessa ou daquela facção tradicional, para tornarem-se, como de fato se tornaram, autênticas protagonistas da disputa pelo poder no Brasil.

Não se deve esquecer, no entanto, de outros fenômenos sociais do período, que ajudaram a instaurar uma nova dialética política no país, fazendo do campo popular um de seus pólos efetivos. A (re)articulação do movimento dos trabalhadores rurais – na qual é justo ressaltar o pioneirismo do campesinato paraense – foi seguramente um dos mais relevantes. Como também a emergência sindical e política dos chamados “assalariados médios”—professores, bancários, profissionais de saúde, entre outros segmentos – que começaram a organizar-se e a promover fortes campanhas reivindicatórias em diversas regiões do país, contribuindo de modo não negligenciável para a consolidação daquilo que viria a chamar-se de “novo sindicalismo”.

Tive a oportunidade de participar desse processo atuando no movimento do magistério mineiro. Em 1979, de modo bastante espontâneo, sem contar com uma entidade que nos representasse, realizamos uma greve de 40 dias, mobilizando cerca de 200 mil professores e outros trabalhadores do ensino ( serventes, cantineiros, faxineiros) em mais de 400 cidades do estado. O movimento teve considerável repercussão regional, estimulando outras categorias a travarem lutas análogas. Daquela greve nasceu a UTE-MG, depois Sind-UTE, que se fortaleceu orgânica e politicamente ao longo dos anos 80 e 90, tornando-se (com os seus 60 mil filiados, sua rede de sub-sedes, suas campanhas salariais, educacionais e político-institucionais) um destacado sujeito da vida mineira.

Em 1980, nossa segunda greve foi duramente reprimida, dezenas de professores foram demitidos e parte da diretoria foi presa e enquadrada na Lei de Segurança Nacional, a exemplo do que ocorreu com outras categorias de trabalhadores. O objetivo assumido das forças de repressão era o de “destruir o movimento, quebrar as suas pernas”.

Mas isso já não era mais possível. A semente fora lançada em terreno fértil e o avanço dos movimentos, fossem eles do operariado fabril, de trabalhadores rurais ou de outros assalariados, já não dependia exclusivamente de vitórias materiais. As derrotas como as vitórias faziam parte de um aprendizado coletivo, cuja intencionalidade não era apenas de resistência econômica mas de poderosa auto-afirmação política e cultural, que se expressaria na criação da CUT, na fundação do PT, na campanhas das diretas já … Mas isso é outra história.

Do ponto de vista existencial, aquelas greves são inesquecíveis. Relembrá-las emociona. Do ponto de vista político, sua inspiração continua oportuna.
 

* Luiz Dulci, na época presidente da UTE/MG, atualmente membro do DN/PT e presidente da Fundação Perseu Abramo

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