O livro "Memória de uma Guerra Suja" – o longo depoimento do Delegado Claudio Guerra" escrito pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogerio Medeiros – precisa ser lido; o livro revela graves violações de direitos humanos. O conteúdo do livro deve ser motivo de reflexão e de exame pela Comissão Nacional da Verdade, pela Comissão do Congresso, pela Comissão dos Procuradores Federais, e em especial das vitimas e de familiares.

O livro "Memória de uma Guerra Suja" – o longo depoimento do Delegado Claudio Guerra" escrito pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogerio Medeiros – precisa ser lido; o livro revela graves violações de direitos humanos. O conteúdo do livro deve ser motivo de reflexão e de exame pela Comissão Nacional da Verdade, pela Comissão do Congresso, pela Comissão dos Procuradores Federais, e em especial das vitimas e de familiares.

Este depoimento contundente servirá certamente para esclarecer algumas circunstâncias de violações de direitos humanos praticadas por agentes do estado; são revelações feitas por alguém que participou diretamente da repressão política e que assume sua responsabilidade, ao mesmo tempo em que aponta outros responsáveis, que durante anos como membros das instituições cometeram atrocidades servindo às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), as policias (Federal, Militar e Civil) contando  com a cumplicidade de setores da mídia, do judiciário, bem como do comprometimento de empresas públicas e privadas,  e de empresários, que participaram ativamente da repressão com financiamentos e mesmo torturando.

Revela também a presença ativa e criminosa, dos Estados Unidos bem como da convivência regular e parceira com bicheiros, grupos de extermínio e traficantes de armas e drogas, da TFP [Tradição, Família e Propriedade] – ligada à extrema direta da Igreja Católica–, segmentos que estiveram presentes desde a preparação do golpe civil militar, e que se intensificou durante os anos de arbítrio do regime civil militar, praticando sequestros, torturas, os assassinatos, os desaparecimentos.

Assim as violações dos direitos humanos faziam parte da complexa articulação política de direita, que contaminou todas as instituições e gerações de então, e continua presentes nas negativas e nas tentativas de ocultar corpos e documentos, nos ranços autoritários e nas  práticas e comportamentos de determinadas instituições e personalidades.

A história contada explicita como a chamada ”comunidade de informações” agia com relativa autonomia no período ditatorial e também nas mudanças de atitudes quando percebe a possibilidade de abertura política, reagindo com atentados e ameaças, e mesmo depois do processo de abertura politica, alguns desses segmentos continuam não aceitando as regras da democracia e da subordinação ao poder civil legitimamente eleito. 

O livro vai além de apresentar as ações de um agente do poder público, na sustentação do regime de arbítrio militar, mostra a cumplicidade e o modo como agiam e contaminavam tais instituições.

O trabalho de Marcelo Netto e Rogério Medeiros traz uma grande contribuição para o momento em que vivemos; certamente estimulará outras iniciativas no  processo de busca da verdade que é um processo pedagógico, que servirá para o fortalecimento da democracia. Mas para que isto seja completo é fundamental a participação da sociedade brasileira. Não podemos mudar o passado, mas o seu conhecimento nos permitirá fazer escolhas futuras que assegurem as conquistas da democracia e a negação de toda e qualquer forma de relação totalitária de convivência.

O livro Memória de uma Guerra Suja é um estímulo para lançarmos luzes sobre o passado, é um desafio que não pode excluir ninguém que esteja disposto a participar deste momento ímpar na história brasileira. Haverá muitas controvérsias, dúvidas e incompreensões, pois o passado oculta sempre muitas surpresas agradáveis e às vezes desagradáveis que podem incomodar, mas em nome de uma causa maior é necessário persistência e determinação.

*Perly Cipriano, ex-preso político, foi subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e atualmente, é subsecretário estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo.