Laís Oreb
"Depois de passar por vielas e ruas sem asfalto, caminhos alternativos, finalmente chegamos a tempo na Praça da Matriz."
"Gente, que congestionamento. Pela Via Anchieta não vamos conseguir chegar! O que será que aconteceu? Olha as pessoas daquele carro. Elas estão avisando que tem bloqueio da polícia em vários pontos de acesso a São Bernardo. O quê? A polícia está apreendendo as faixas? Esta nossa é muito grande e se eles pararem o carro vão achar. Vamos deixá-la no canto daquele muro. O importante é chegar a São Bernardo".
Assim fizeram alguns jornalistas que se dirigiam dentro de um Volks para participar das comemorações de 1ºde Maio. Entre eles, eu e meu filho Dilair.
Depois de passar por vielas e ruas sem asfalto, caminhos alternativos, finalmente chegamos a tempo na Praça da Matriz.
Nós estávamos atendendo à convocação do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo que havia soltado uma nota, encaminhada às redações, conclamando à participação no 1º de Maio Unificado, como apoio material e político aos metalúrgicos do ABC. A nota assinalava também que o 1ºde Maio não se limitava a protestar contra a política salarial do governo, mas também contra a intervenção no Sindicato de São Bernardo e Santo André e as prisões de dirigentes sindicais e trabalhadores grevistas.
Com o avanço do movimento sindical a partir de 1978, demonstrado por meio da greve dos metalúrgicos da Scania, uma nova história dos trabalhadores começou a ser escrita e os jornalistas, em 1979, também confirmaram essa nova história, com a greve por aumento de salário e estabilidade para os representantes de redação. Só que os donos dos meios de comunicação, que se diziam favoráveis ao direito de greve e à abertura da democracia, foram intransigentes nas negociações e permitiram a repressão policial, com agressões e prisões de jornalistas, principalmente nas portas dos dois maiores órgãos de imprensa de São Paulo.
Uma verdadeira demonstração de coragem foi dada por profissionais da imprensa durante os 41 dias de greve dos metalúrgicos. Muitos foram espancados e presos durante as manifestações de rua. Muitos também, numa demonstração de solidariedade, permaneciam nas noites de vigília no Sindicato dos Metalúrgicos, mesmo já tendo concluído o seu trabalho.
No Sindicato dos Jornalistas formaram-se as comissões de Propaganda, Divulgação e Finanças. A de Propaganda era responsável pela distribuição de panfletos nos teatros e em vários pontos da cidade. A de Divulgação funcionava junto ao Comitê de Solidariedade, como uma assessoria de imprensa, e a de Finanças arrecadava fundos com a venda de bônus, camisetas do "João Ferrador", cartazes e contribuições. Num festival de jazz, no Anhembi, eu e um grupo de jornalistas estávamos vendendo camisetas _ muito disputadas entre os jovens _ quando a polícia chegou e por pouco não fomos presos.
Mas, se por um lado a ajuda dos jornalistas foi significativa, nem sempre o noticiário correspondia ao que realmente acontecia no ABC. O governo e a Fiesp usavam todos os meios de comunicação para desmoralizar a greve. A intervenção foi assinada pelo então ministro do Trabalho, Murillo Macedo, durante o Jornal Nacional da Rede Globo, e tudo isso causava grande revolta entre os metalúrgicos. Muitas vezes, o próprio Lula precisou esclarecer que a cobertura da greve não dependia só dos jornalistas. "Eles também são trabalhadores", afirmava.
Para encerrar, não posso deixar de registrar um trecho de entrevista do então governador de São Paulo, Paulo Maluf, sobre o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, conforme a Folha de S. Paulo de 19/4/80: "Lula é um líder morto. Em seis meses os metalúrgicos o terão esquecido".
* Laís Oreb é jornalista e diretora do Sindicato dos Jornalistas em 1980