USP quer Comissão da Verdade para investigar crimes cometidos dentro da universidade
Dos cerca de 500 desaparecidos políticos durante a ditadura, 40 eram funcionários, professores ou alunos da Universidade de São Paulo (USP). Devido à relevância da instituição naquele período da história do país, a USP pode ter uma Comissão da Verdade própria, nos moldes da Comissão Nacional da Verdade instituída pelo governo federal neste ano.
Dos cerca de 500 desaparecidos políticos durante a ditadura, 40 eram funcionários, professores ou alunos da Universidade de São Paulo (USP). Devido à relevância da instituição naquele período da história do país, a USP pode ter uma Comissão da Verdade própria, nos moldes da Comissão Nacional da Verdade instituída pelo governo federal neste ano.
O primeiro passo para a instalação da Comissão da Verdade da USP foi dado na noite de terça-feira 12. Cerca de 500 pessoas se reuniram em um ato, no auditório da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), para pedir a criação da Comissão da Verdade da USP. Um abaixo-assinado está coletando assinaturas que serão enviadas ao Conselho Universitário da USP, provavelmente em agosto, pedindo a criação da comissão. Se aprovada, a Comissão da Verdade da USP elegerá seus integrantes entre funcionários, professores e alunos e eles poderão receber testemunhos e informações, convocar pessoas a prestar depoimento, além de requisitar documentos de todos os órgãos da Universidade, ainda que classificados como sigilosos.
Também será objetivo da Comissão da Verdade da USP investigar, especificamente, os crimes da ditadura cometidos contra os membros da universidade e sugerir reformas no Regimento Interno da instituição, redigido durante a ditadura. Os resultados do trabalho desta comissão serão compilados em um relatório que será publicado, amplamente divulgado e encaminhado às Comissões da Verdade já existentes e ao Ministério Público.
Apuração deve causar polêmica
Como no caso da Comissão Nacional da Verdade, a da USP deve causar polêmica. Presente no ato de lançamento da campanha, a professora de Filosofia Marilena Chaui disse que a verdade sobre o que ocorreu na USP durante o período deve ser revelada, bem como o envolvimento político de seus colegas. “Foram os civis acadêmicos da própria universidade que fizeram uma limpeza de sangue dentro da USP. Foram as congregações (de professores)”, afirmou a professora, sem revelar o nome de seus colegas. “Pessoas iam defender o retorno da democracia, quando sabíamos que aquelas pessoas eram cúmplices da ditadura. Isso não pode ficar impune”, completou.
Para a professora do Instituto de Psicologia da USP, Vera Paiva, filha do ex-deputado e desaparecido político Rubens Paiva (1929-1971), a Comissão da Verdade da USP servirá também para limpar a memória dos desaparecidos. “Essas pessoas (desaparecidos políticos) tinham um projeto democrático para o País e hoje são taxadas como terroristas”, disse. Segundo Paiva, é preciso reparar erros do passado e preservar a memória das pessoas que lutaram para construir um ambiente democrático. “É inaceitável a Congregação do Departamento de Química da USP dizer que a professora e desaparecida política Ana Kucinski abandonou o emprego, quando na verdade ela foi capturada pela ditadura”, disse.
Estatuto e expulsões
A reforma do Regimento Interno da USP, um desejo de muitos alunos, professores e funcionários, pode ser facilitada pelos trabalhos da Comissão da Verdade. Chaui teceu duras críticas às normas que regem a universidade e à gestão do atual reitor João Grandino Rodas. Para ela, a estrutura da USP é a estrutura que a ditadura introduziu com a Reforma Universitária, no mesmo ano do Ato Institucional número 5, e se cristalizou no estatuto da universidade. “Esse reitor foi formado no caldo da cultura da ditadura. Essa forma de gestão explica essa coisa inacreditável. Isso nem a ditadura fez: pôr a polícia dentro do campus para espancar os alunos.”
Outro ponto favorável à mudança no estatuto foi obtido na Justiça. No último dia 6, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou o processo administrativo que determinou a expulsão do aluno do curso de Geografia da USP Yves Souzedo, em dezembro de 2011. No entendimento da juíza Alexandra Fuchs de Araújo, a expulsão apoiada no decreto 72 do Regimento Disciplinar da USP, redigido durante a ditadura, não é correta. “O Regimento contraria a Constituição, já que é originário de um momento em que não existia autonomia universitária”, disse Aton Fon Filho, advogado de Yves. A decisão foi considerada uma vitória por movimentos estudantis e de trabalhadores da USP, que esperam que este seja um primeiro passo rumo à reforma do Regimento Disciplinar da USP.