"A mais renitente lembrança das greves de 20 anos atrás é o cheiro acre das bombas de gás lacrimogêneo"

 

A mais renitente lembrança das greves de 20 anos atrás é o cheiro acre das bombas de gás lacrimogêneo que a Polícia Militar de São Paulo não economizava, enquanto corria atrás, cassetete em punho, dos grevistas em São Bernardo.

Cada vez que volto à cidade, o cheiro volta às narinas, como se jamais tivesse se dissolvido. Fica a sensação de que, em parte como conseqüência das greves, nunca mais se voltou a usar gás lacrimogêneo contra atos que, em qualquer democracia, são no fundo banais (a não ser, é claro, em alguns episódios pontuais, mas que já não retratam o quadro institucional que as greves ajudaram a mudar).

Mas há uma outra lembrança que já se havia dissolvido, mas voltou à memória com força no dia em que participei de um debate no Sindicato dos Metalúrgicos, numa época em que, no saguão, havia uma exposição de fotos sobre as greves. Uma delas mostrava Fernando Henrique Cardoso e um punhado de outros políticos, a maioria deles hoje governista, participando de atos de apoio aos grevistas.

Ao ver a foto, me lembrei de uma frase irônica que os espanhóis usaram muito nos primeiros anos pós-redemocratização: "Contra Franco, vivíamos melhor", era a frase. Por quê? Porque era nítido, durante a ditadura, quem eram os "mocinhos" e quem eram os "bandidos". Depois, a fronteira dissolveu-se. No Brasil, ocorreu a mesma coisa: os "mocinhos" (pelo menos para o meu gosto) amontoaram-se contra a ditadura. Terminada esta, houve uma enorme dispersão.

Tudo somado, dá até saudades das greves.
 

* Clóvis Rossi, repórter do Jornal Folha de S. Paulo

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