D. Paulo Evaristo Arns
"Minha impressão era que haviam apagado todas as luzes e que, no escuro, haveria dificuldade de uma ação direta em favor de qualquer pessoa".
No dia 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira toda ocupada com visitas a dois colégios e a uma reunião do CELAM, era eu ainda Bispo Auxiliar de São Paulo. Não tendo lido jornais, nem tido ocasião para ouvir a notícia por rádio ou televisão, tudo me foi comunicado através de amigos que falavam em voz baixa e temiam as piores conseqüências para a comunicação e a segurança em nossa terra.
Minha reação foi de susto e de previsão que viria chumbo grosso em direção a todos que defendiam os presos políticos e os amigos ativos na política. Fui atingido, desde logo, pelo AI-5, porque não podíamos mais falar livremente na Rádio Nove de Julho que, aliás, iria ser cassada quatro anos depois, sem nenhuma explicação e sem motivo técnico ou administrativo. Daí por diante, como Secretário de Educação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, minha vida mudou totalmente: não sabia mais como agir e todos os meus amigos consultados exprimiam pavor pelo medo de serem atingidos de uma forma ou outra. Fiz porém o propósito de agir, embora com cautela, em favor dos meus amigos, sobretudo os religiosos que foram presos. Quando tomei posse como Arcebispo em São Paulo, em 1970, 13 deles estavam presos e Madre Maurina, que estava sob a minha guarda na Penitenciária Feminina do Carandiru, zona norte de São Paulo, havia sido expulsa para o México, onde ocasionalmente pude visitá-la, duas vezes.
Minha impressão era que haviam apagado todas as luzes e que, no escuro, haveria dificuldade de uma ação direta em favor de qualquer pessoa. Apesar disso, procurei visitar os atingidos pelo AI-5 em prisões em São Paulo e, depois de Arcebispo, alertar os meus colegas bispos do estado de São Paulo a respeito das prisões arbitrárias, dos desaparecimentos, das mortes e sobretudo das torturas inimagináveis.
O AI-5 preparou de fato a era de terror que se manifestaria durante os próximos sete anos sobretudo.
Texto republicado no especial "AI-5, quarenta anos", em 10/12/2008