"Vi" o AI-5 surgir na redação do jornal O Estado de S. Paulo, onde trabalhava então. A primeira sensação, bastante superficial, admito, era a de que havia uma nuvem bem negra pairando sobre nossas cabeças. Mas não houve tempo para assimilá-la na plenitude, posto que tínhamos que fechar a edição do dia seguinte, naturalmente com todo o noticiário em torno do AI-5.

Jornalistas, salvo aqueles engajados em atividades político-partidárias (ou, naquela época, armadas), reagem normalmente com tremenda excitação a qualquer notícia grande, boa ou ruim. A edição do AI-5, ao contrário, foi elaborada com notável desânimo. Fechado o jornal, fomos para um botequim na Consolação, em frente à antiga sede do Estadão, na rua Major Quedinho.

Éramos seis, no máximo. Todos sem militância outra que não o jornalismo. O único consenso perceptível era o de que as portas do futuro de repente se haviam fechado. A única saída parecia ser o aeroporto (de Congonhas, então o único aeroporto internacional de SP). Acho até que foi naquela ocasião que se criou essa piadinha, que depois se tornou recorrente. Pessoalmente, embora nunca tivesse sido vítima direta do AI-5, essa piadinha virou verdade: a partir daí, dediquei-me muito mais ao noticiário internacional (menos vigiado pela censura) do que ao nacional. Não foi solução, mas foi rima, ainda mais que, pouco a pouco, as trevas que o AI-5 lançara sobre o Brasil se foram estendendo ao conjunto da América Latina.

*Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo.

 

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